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sábado, 31 de outubro de 2020

Quem são os luteranos: Católicos ou Evangélicos?

                       Como parte das comemorações dos 503 anos da Reforma , desejo contribuir com uma singela apresentação da fé luterana, a qual abracei no início deste ano. O luteranismo é um dos ramos mais importantes do Cristianismo ocidental, estando presente em todo o mundo. Atualmente, o maior organismo luterano é a "The Lutheran World Federation" (LWF), cujas igrejas constituintes reúnem cerca de 77 milhões de fiéis. A LWF está presente em 148 países, e suas maiores comunidades encontram-se na Alemanha, Escandinávia, países Bálticos, EUA, Tanzânia, Madagascar, Etiópia, Namíbia, Nigéria, Índia, Indonésia e Papua Nova Guiné. Há também organizações e comunhões luteranas menores, como o International Lutheran Council.

                   No contexto brasileiro atual, os luteranos ainda são um tanto desconhecidos. Embora constituam um grupo protestante numericamente significativo (cerca de um milhão de fiéis por todo o país)1, e tenham desempenhado importante atividade na História da nação (sendo os primeiros protestantes a se estabelecer de maneira definitiva)2,mantiveram-se como um grupo intrinsecamente ligado à comunidade alemã e sua descendência, por cerca de um século e meio. Comunidade cujas  relações com o restante dos brasileiros foi, muitas vezes, tensa e desconfiada. Por isso, acabaram tornando-se um “mistério” para o “brasileiro médio”. A exceção da região Sul, e de alguns redutos no estado do Espírito Santo, os luteranos não possuem, historicamente, presença numérica tão significativa. Isso explica o fato de que, embora possuam algumas das mais relevantes instituições teológicas (como as Faculdades EST), obras sociais (relacionadas à defesa do meio-ambiente, direitos indígenas, comunidades quilombolas,etc.) e caritativas (asilos, creches, arrecadação de alimentos, etc.), patrimônio arquitetônico, instituições acadêmicas e educacionais (como a ULBRA) e hospitais do país, ainda sejam um enigma para a maioria da população brasileira comum. O luteranismo confessional é representado no Brasil, pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasi3 (IECLB  - a maior denominação; possui tendências progressistas e ecumênicas, ênfase no diálogo e no serviço ao próximo, e não subscreve oficialmente todos os documentos da ortodoxia luterana histórica), pela Igreja Evangélica Luterana no Brasil (IELB - mais fiel à ortodoxia histórica; mais conservadora em pautas 'morais')4 e pela Orthodox Lutheran Confessional Conference5 (OLCC- rigidamente confessional e ortodoxa, presente em nosso país há poquíssimo tempo). Uma das perguntas mais comuns é: vocês são católicos ou evangélicos? Podemos responder. Ambos. Irei explicar.

 



 

A FÉ CATÓLICA DOS LUTERANOS

    Somos católicos (termo de origem grega, denotando algo “relativo à totalidade”). Como Santo Inácio de Antioquia (ca. 35-ca. 107 d.C.) proclamamos que “onde está Jesus Cristo, aí está a Igreja Católica6. Somos católicos, pois pertencemos ao todo, à fé universalmente pregada, em todos os tempos e lugares (conforme a definição do "Cânon Vicentino")7, pelos apóstolos e por aqueles que lhes sucederam (Cf. Romanos 16.17; 1Corintios 1;10; Efésios 4.5)8. Somos herdeiros de Pentecostes, quando a Santa Igreja foi fundada, pela descida do Espírito Santo sobre os seguidores de Jesus (Atos 2), segundo havia sido anteriormente revelado ao apóstolo S. Pedro (Marcos 16.16-18). Estamos de acordo com o consenso dos fiéis, com a fé comum da Igreja antiga - resumida nos Credos ecumênicos (Apostólico, Niceno e Atanasiano)9, na teologia Patrística10 e nas tradições litúrgicas. Tradições como o Pai Nosso — ensinado pelo próprio Senhor11;  o Kyrie e os cantos tradicionais12 ; os cultos aos Domingos, com uma estrutura organizada13; a comemoração da Páscoa cristã, precedida de um período de oração e jejum; o sinal da cruz de Cristo14. Como poderíamos nos apartar da santa Igreja Católica, fora da qual não há salvação (Mateus 18.15-20)?15 

                    Justamente por sermos católicos, rejeitamos as inovações e a e usurpação do bispo de Roma, o qual pretendeu colocar-se acima de seus pares16, assumindo prerrogativas que não eram suas. O papado agiu de tal maneira ao proclamar dogmas baseados na própria autoridade (como a Imaculada Conceição da Virgem)17.Ao instituir proibições inexplicáveis e contrárias ao uso do resto da cristandade (ex: o de
   clérigos casados18, liturgia em língua comum, e da comunhão sob ambas espécies19). Ao pretender exercer o monopólio do Ofício das Chaves20 . Em fidelidade a fé ensinada nas Escrituras e pregada pelos Pais, rejeitamos os acúmulos medievais baseados em vãos arrazoados humanos, que promoveram a frágil justiça humana, diminuíram a importância da graça divina21 e relativizaram Palavra e Sacramentos22. Pela defesa dessa fé, rompemos a comunhão institucional (Tt 3.10-11) com o impenitente Leão X (1475-1521), que ocupava a Sé Romana, na qual constantemente violava o exemplo e os ensinos divinamente inspirados do glorioso apóstolo Pedro (Cf. 1Pe 1.5; 2.5-10; 5.2)23, ensinando  outro Evangelho (Gl 1.8). Por sermos católicos, rejeitamos igualmente a soberba e a loucura dos que alegam ter reconstruído ou reinventado a igreja de Cristo após "um milênio de trevas" (Mateus 16.18; Apocalipse 12), ou qualquer tentativa grotesca e ridícula de elaborar uma sucessão apostólica paralela24
 
                   Afirmamos que a graça salvífica de Deus ainda pode ser encontrada, de maneira ordinária, entre os fiéis em comunhão com a Sé de Roma, assim como os fiéis em comunhão com os patriarcados de Constantinopla e Alexandria, e  os demais grupos no qual a mensagem do Evangelho e os sacramentos são pregados. Tanto nos anteriores quanto nos posteriores à Reforma do séc. XVI25. Nos mantemos firmes na fé e na comunhão desta igreja cristã universal, em cujo santo seio  fomos gerados26, mediante a lavagem regeneradora do Santo Batismo (Marcos 16.16; João 3.5; Efésios 5.26. Tito 3.5; 1Pedro 3.21)27 Através dela, recebemos os reais Corpo e Sangue de Jesus Cristo, presentes no Sacramento da Santa Ceia (Mateus 26.26-28; Marcos 14.22-24; Lucas 22.19-20, 1Corintios 10.16)28, celebrada na sinaxe do povo santo (1Corintios  11.20-34), e a proclamação do perdão dos pecados, feitas pelos ministros em nome de Deus29, de maneira coletiva ou privada. Tal fé nos permite o diálogo ecumênico, a aproximação fraterna com os demais cristãos autênticos. Ao mesmo tempo, deixamos claro que nossa confessionalidade é inegociável30.
 

A FÉ EVANGÉLICA DOS LUTERANOS

Também somos Evangélicos. Aliás, o primeiro grupo a se autodenominar “evangélico”31. Isto se dá por que seguimos e anunciamos o Evangelho de Cristo, as Boas Novas de que Ele fez o que nós não poderíamos fazer (Mateus 19.23-26)32. Proclamamos que a boa e santa Lei divina, sistematizada nos Dez Mandamentos (Êxodo 20.1-19), interpretados de forma plena por Cristo (p.e. em Mateus 5), não pode ser

cumprida por pecadores contumazes como nós, mesmo depois da conversão (Jeremias 13.23; Romanos 3.9-20)! Sequer a conversão é obra nossa (Jo 6.44; 15.16), pois estamos com a  vontade cativa (“servo arbitrio”)33 sob a nossa própria maldade (Mateus 15.19; Tiago 1.13). A cada transgressão, nos tornamos culpados de quebrar toda a Lei divina (Tiago 2.10), merecendo todos os castigos possíveis34.
Por ofendermos um irmão, somos réus do inferno (Mateus 5.22). Por um olhar impuro, somos considerados adúlteros (Mateus 5.28), dignos de morte (Levítico 20.10; Hebreus 10.28,29). O primeiro capítulo da Epístola aos Romanos demonstra a situação desoladora de todos os homens.

Os homens necessitam do dom da salvação gratuita (sola gratia), mediante a fé apenas (sola fide) para obter a reconciliação com Deus (Efésios 2.8,9; Romanos 1.17; Romanos 5)35. A fé que tem como alvo o sacrifício da cruz (João 3.14-16). Uma salvação firme, externa em relação à nossa fraqueza e indignidade, mantida pelo próprio Deus36, nos critérios por Ele estabelecidos e revelados. Ele doa-se bondosamente a nós através da pregação da Palavra (Romanos 10.17;Gl 3.1,2), cuja única testemunha autorizada e normativa são as Sagradas Escrituras do Antigo e Novo Testamentos (Sola Scriptura)37 .Também através regeneração pelo batismo(não de maneira mágica, mas pela Palavra)38, da alimentação espiritual na Santa Ceia39, e da proclamação do perdão divino —individualmente ou no culto público —através de um ministro (ou mesmo de um cristão leigo)40. O fato da existência da Igreja estar ligada à Palavra e aos Sacramentos —– e não à alguma hierarquia ou autoridade humana —exclui o sectarismo e a soberba, nos impulsionando ao ecumenismo, por permitir o reconhecimento da existência da verdadeira fé em outros grupos da Cristandade. Tudo isso aponta para a exclusividade dos méritos de Cristo na salvação da humanidade (Solus Christus)

                  Prezamos a liberdade cristã. Não nos prendemos a regrinhas fixas de "pode" e "não pode".41  Entendemos como deve ser nossa conduta a partir dos Dez Mandamentos. Nossos pastores não nos impõe maneiras "mastigadas" de aplicar os princípios divinos em cada situação específica, deixando à nossa consciência - que deve estar cativa à Palavra de Deus! - as decisões sobre assuntos pontuais. Consumo de álcool ou tabaco, vestimentas e passatempos, músicas e arte, esportes e atividades, movimentos políticos ou filosóficos. Nada nos é vetado ou ordenado a priori. Os critérios da fé e do amor, segundo as Escrituras, fornecem as diretrizes para a verdadeira liberdade, que se opõe frontalmente à libertinagem e ao relativismo. O Bem-aventurado Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), martirizado por sua oposição ao regime de Hitler, é um claro exemplo de pastor e teólogo que viveu segundo tal princípio.
 

 A FÉ “CATÓLICO-EVANGÉLICA”

 

 

                Em resumo: Igreja Evangélica Luterana é a continuação da Igreja Católica Apostólica Antiga e Medieval, edificada em Cristo, sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas (Ef 2.20), purificada de abusos e acúmulos papais mediante o retorno às Escrituras inspiradas. Em sua teologia, não busca entender a vontade de Deus através de vãos arrazoados humanos (Jó 5.13; Is 19.14; Rm 1.22; 1Co 1.20-25), encontrá-lo através de êxtases místicos42 ou aplacá-lo com obras e legalismo. Sabe que praticar a justiça social e o bom testemunho é uma "obrigação" (Lc 17.10). Aceita humildemente as paradoxais revelações divinas, sem selecioná-las  ao próprio gosto, muito menos fundi-las numa mistura bizarra. Cremos no Deus que não contraria a razão humana (por ele estabelecida), mas a transcende infinitamente. No Deus único, subsistente em três Pessoas. Cremos em Jesus Cristo, verdadeiro e pleno Deus, e verdadeiro e pleno homem. Cremos que o corpo físico de Cristo é real, possuindo propriedades semelhantes às dos corpos físicos. No entanto, pela União Hipostática, e pela gloriosa ressurreição, pode e transcender as possibilidades físicas, estando em todas as celebrações eucarísticas pelo mundo43. Cremos no Deus Onipotente, que salva a humanidade se esvaziando, vivendo pobremente e morrendo de maneira humilhante e dolorosa na cruz (Mt 16.13-28; Jo 12.23-33; Fp 2.4-11), provando as dores do próprio inferno44
 
Deus trata com a humanidade de duas maneiras: pela Lei, nos exige a obediência perfeita e irrestrita aos seus mandamentos. Nenhum de nós chega sequer próximo a isso, por uma só hora que seja. Pela Lei, pairam sobre nós as mais severas ameaças, caso a descumpramos. Como isto é o que mais fazemos, só nos resta o desespero; pelo Evangelho, Deus nos anuncia o perdão gratuito e incondicional, fundamentado na perfeita obediência e morte redentora de seu próprio Filho encarnado, Jesus Cristo.A admirável permuta de sua justiça por nosso pecado. Um presente a ser recebido, sem nenhum mérito ou esforço.

A teologia luterana ensina que os cristãos são simultaneamente justos (pela que Cristo fez por eles) e pecadores (pelos desejos pecaminosos e más obras praticadas)45. Totalmente libertos, e verdadeiramente senhores de tudo (pela fé), são também servos de todos (pelo amor)46. São todos sacerdotes e sacerdotisas, pelo santo batismo, exercendo o trabalho cotidiano como uma missão sagrada, para a glória de Deus e bem da humanidade.Sem necessidade alguma de fazer qualquer coisa para merecer a graça divina, se empenham na prática de boas obras, em amor a Deus e ao próximo, pela gratidão diante do perdão recebido47. Por este "sacerdócio universal",são convidados a participar ativamente do testemunho do Evangelho, da liturgia do culto e das ações sociais da igreja. Não necessitam da mediação de homens (vivos ou mortos), podendo oferecer suas orações e louvores diretamente a Deus, por meio de Cristo (1Tm 2.5). Estão guardados em Cristo pela fé, da qual Ele é o autor e consumador (Hb 12.2), e não podem ser arrebatados de suas mãos (Jo 10.27-29), nem mesmo se perder, por quaisquer pecados que cometam48. No entanto, podem ser perder, ao deixar de se apegar a Ele, confiando nas próprias forças ou não mais se reconhecendo como pecadores (Mt 24.13; Gl 5.4; 1Co 10.1-12; Rm 11.20-21). 49

A Teologia luterana também preza pela distinção entre os "Dois Reinos"50. O poder político não deve fundir-se aos assuntos religiosos. Portanto, em uma igreja autenticamente luterana, não é permitido que políticos peçam votos ou façam discursos no contexto litúrgico. Os pastores não podem manipular ou controlar os votos de seus rebanhos. As denominações luteranas não podem manifestar-se oficialmente em prol de algum candidato ou partido político específico, ou praticar a bajulação servil. Devido a liberdade cristã, conscientes de que apenas a Palavra é eterna, os luteranos são instruídos a participar da política (como eleitores ou elegíveis) com o objetivo de promover o bem comum, sem a necessidade de abraçar uma linha ou partido específicos51 .Não são orientados a participar da formação de "bancadas religiosas", defendendo pautas exclusivistas. Preocupam-se com a competência, idoneidade e capacitação dos governantes - e não com a fé religiosa dos mesmos (nem a ausência dela). Não desejam impor padrões de comportamento cristão à sociedade, contentando-se em que haja concórdia, respeito, paz e justiça entre a população - dentro do que é possível em um mundo maculado pelo pecado.

           Portanto, caro leitor, caso você seja luterano, orgulhe-se de sua fé, teologia e espiritualidade. Elas são pautadas pela cruz -  a única glória permitida a um cristão (Gl 6.14). Caso você seja cristão de outra vertente, espero que tenha sido edificado com algum insight da tradição luterana, e aprendido algo a respeito deste importante ramo do cristianismo. Caso você se julgue uma pessoa indigna, desprezada, doente, pobre, vil, pecadora, tola ou derrotada, eu convido: Junte-se a nós! Por nossa natureza, somos um clube de fracassados também. Mas colocamos nossos deméritos ao pé da cruz de Cristo, e assim tornamo-nos os mais felizes e privilegiados entre os seres humanos.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:

Livro de Concórdia (principalmente a "Confissão de Augsburgo", o "Catecismo Menor" e o "Catecismo Maior")

Obras Selecionadas de Martinho Lutero (Comissão Interluterana de Literatura)

As Confissões Luteranas: Introdução (GASSMANN, Günther Gassmann e HENDRIX, SCOTT)

Espiritualidade da Cruz (VEITH JR, Edward)

Quem somos nós? Princípos da fé cristã e da confessionalidade luterana (VOIGT, Emilio)

Confessionalidade luterana, da série "Educação Cristã Contínua" (BRAKEMEIER, Gottfried)

Bíblia de Estudo da Reforma (SBB)

Da Liberdade Cristã (LUTERO, Martinho)

Do Cativeiro Babilônico (LUTERO, Martinho)

Eucaristia - Louvor e Dádiva (LUTERO, Martinho)

Comentário ao Magnificat (LUTERO, Martinho)

A correta distinção entre Lei e Evangelho (WALTHER, Carl F. W. )

Discipulado (BONHOEFFER, Dietrich)

Isto É o meu corpo (Hermann Sasse)

Os Tempos do Fim - Um estudo sobre escatologia e milenarismo (Editora Concórdia)

Loci Theologici (MELANCHTON, Filipe) 

In Coena Domini (CHEMNITZ, Martin)

Além dos livros, os portais oficiais das três denominações luteranas são uma ótima fonte de conhecimento. Através deles, é possível também constatar quais as diferenças internas no luteranismo brasileiro, os argumentos utilizados por cada grupo e as relações entre eles.

Para conhecer a importante contribuição luterana na construção do mundo moderno (educação, artes, ciência, música, economia, trabalho, sociedade, política, etc.), recomendo a série "Lutero: muito além da religião", formada por 11 breves videos. Link:  https://www.youtube.com/watch?v=R-Pb2RAlTMU&list=PLdvJgPpURpVhBwi5fznTIWR3xQ0xQODGg

Créditos:As imagens de obras arte encontram-se sob domínio público, e foram recolhidas através do buscador Google. Fotos de templos e celebrações foram extraídas de sites oficiais ligados às denominações e canais do Youtube ou enviadas por amigos pessoais.

 NOTAS E REFERÊNCIAS:

1. Os dados completos podem ser consultados no site oficial do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

2. O marco assinalado é a formação da comunidade em Nova Friburgo (RJ), no ano de 1824. Sob a legislação do Brasil imperial, cuja religião oficial era o Catolicismo Romano, os luteranos sofreram severas restrições e privações. Isto contribuiu para um clima de isolamento e desconfiança.

3. Site oficial :  https://www.luteranos.com.br/

4. Site oficial:  https://www.ielb.org.br/&r=1

5. Site oficial:  https://olcc.us/en/

6.INÁCIO DE ANTIOQUIA, na Epístola aos Esmirniotas. Disp. No vol. 1, Padres Apostólicos,  da coleção Patrística Ed. Paulus

7.a Igreja Católica deve-se ter maior cuidado para manter aquilo em que se crê em todas as partes, sempre e por todos. Isto é a verdadeira e propriamente católico, segundo a ideia de universalidade que se encerra na mesma etimologia da palavra. Mas isto se conseguirá se nós seguimos a universalidade, a antiguidade e o consenso geral. Seguiremos a universalidade se confessamos como verdadeira e única fé a que a Igreja inteira professa em todo o mundo. “(Commonitorium, de Vicente de Lérins, 434 d.C.). Orígenes de Alexandria (c. 184-c;253 d.C.) já havia estabelecido um princípio semelhante,  na primeira parte de seu Tratado sobre os Princípios(Peri Archon); Relatamos apenas aquilo que julgamos necessário aduzir e mencionar, a fim de que daí se pudesse tanto melhor perceber que, em doutrina e cerimônias, entre nós nada se recebeu que seja contra a Sagrada Escritura ou a igreja cristã universal (católica). Porque deveras é público e manifesto havermos evitado, diligentissimamente e com a ajuda de Deus (para falar sem vanglória), que se introduzisse, alastrasse e prevalecesse em nossasigrejas qualquer doutrina nova e ímpia (Confissão de Augsburgo, 1530).

8. No III livro do Adversus Haerese, Irineu (c.130-202 d.C.) estabelece o consenso dos apóstolos, seguido pelas diversas igrejas por eles fundadas no mundo, como o critério correto para estabelecer os dogmas de fé. Nos dois primeiros séculos, sem o padrão canônico das Escrituras, a mesma doutrina era pregada em todas as partes do orbe. Esta “tradição apostólica” permitiu estabelecer os critérios seguros para que a Igreja, guiada pelo Espírito Santo, reconhecesse os livros que haviam sido inspirados pelo mesmo Espírito. É notável que Irineu prestigie a Sé de Roma, citando-a como exemplo de ortodoxia e primazia honorífica, mas em nenhum momento afirma que seu bispo possuía autoridade suprema e irrestrita sobre os demais, e nem que a ortodoxia impecável da Igreja em Roma possuiria qualquer garantia sobrenatural de preservação.

9. “Creio na Santa Igreja Cristã/Católica” (Credo Apostólico), “Creio na Igreja Uma, Santa, Católica e Apostólica” (Credo Niceno-Constantinopolitano), “Todo aquele que quer ser salvo, antes de tudo deve professar a fé católica. Quem quer que não a conservar íntegra e inviolada, sem dúvida perecerá eternamente. E a fé católica consiste em venerar um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as pessoas e sem dividir a substância.” (Credo Atanasiano). Os três credos são oficialmente adotados, estudados e recitados pelas igrejas luteranas.

10. A teologia luterana (evangélica) sempre prezou profundamente a Patrística. Lutero acusava o papado de ter deixado a pureza doutrinária e moral dos antigos doutores, desviando-se após as sutilezas dos escolásticos e interesses escusos. Fazia abundantes citações dos Pais. O mesmo faziam outros grandes dogmáticos luteranos, como Filipe Melanchton (1497-1560) e Martin Chemnitz (1522-1586). Na Confissão de Augsburgo (o tratado básico da fé evangélica), há citações dos seguintes documentos e teólogos:  Decretos do Concílio de Niceia (325 d.C.), o Símbolo (Credo) dos Apóstolos, Santo Agostinho (354-430 d.C.), Cipriano (m. em 258 d.C.), Irineu, Eusebio (265-349 d.C.), Crisóstomo (c.347-407 d.C.), Jerônimo (340-420 d.C.), e o papa Gelásio I (m. 496 d.C.). No Livro de Concórdia completo, há um número muitíssimo maior de citações e personagens, incluindo os doutores medievais e os pais monásticos , como Antão (251-356 d.C.), Bernardo de Claraval (1090-1153),Domingos (1170-1221), Francisco de Assis (c. 1182- 1226 d.C.). A declaração “Os Concílios Ecumênicos e as Autoridades na e da Igreja”, assinada conjuntamente pela Federação Luterana e pelo Patriarcado Ecumênico de Constantinopla (uma tradução não-oficial pode ser lida aqui), expressa claramente a catolicidade da fé luterana.

11.Entre alguns notáveis textos e autores antigos ressaltando o Pai Nosso, temos a Didaquê(meados do II séc. d.C.), Tertuliano (160-220 d.C.) e Cipriano. O doutor Martinho Lutero explica o Pai Nosso, ponto a ponto, em seus Catecismos Maior e Menor. Os luteranos costumam orar o Pai Nosso no culto público, nos lares, ao levantar e ao dormir, à mesa, etc.

12. O Kyrie Eleison (“Senhor, tem piedade de nós!”) – Uma das mais antigas fórmulas de súplica cristã, recitada ou entoada em cultos e em particular, isoladamente ou como resposta durante litanias. Na IECLB, costuma-se cantar também uma adaptação específica, de intercessão pelas dores do mundo, que culmina com o Kyrie em sua forma original grega; entre outros hinos tradicionais que também podem ser ouvidos em cultos luteranos, estão o Agnus Dei, o Sanctus, o Gloria in excelsis Deo, o Benedictus, o Aleluia, e o Gloria Patri –devidamente adaptados ao idioma comum de cada povo.

13. Na primeira descrição completa de um culto público cristão, Justino de Roma (100-165 d.C. ) relata: ”No dia em que se chama do sol, celebra-se  uma reunião de todos os que moram na cidade ou nos campos, e aí se leem, enquanto o tempo o permite, as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas (...) levantamo-nos todos juntos e elevamos nossas preces. Depois de terminadas, como já dissemos, oferece-se pão, vinho e água, e o que preside, conforme suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças e todo o povo exclama, dizendo: “Amém”.(...) Celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque  foi o primeiro dia em que Deus(...) fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos.” (I Apologia). Na “Tradição Apostólica”(Hipólito de Roma- c. 215 d.C.) estão reunidas orações e liturgias para a celebração dos sacramentos, que possuem muito em comum com as utilizadas atualmente nas igrejas luteranas. Quanto ao Domingo como dia de culto, cf. também Mc 16.9; Lc 24.1; Jo 20.1; At 20.7; 1Co 16.2 Cl 2.15-17 Hb 4.9-10; Ap 1.10;  Epístola aos Magnésios (Inácio de Antioquia) e o capítulo 15 da Epístola do Pseudo-Barnabé(c. 135 d.C); a explicação do III Mandamento no  Catecismo Menor de Lutero.

14. O sinal da cruz é baseado na profecia de Ezequiel 9.4, na qual os fiéis, que não se contaminaram com a idolatria e as abominações em Jerusalém, receberiam na testa uma marca (no texto hebraico, tav, letra em formato de travessões cruzados, semelhante ao marca do sangue do cordeiro pascal – Êx 12). Em Apocalipse 7.3, há uma menção ao “selo de Deus” sobre os eleitos, em contraponto a “marca da besta” (Apocalipse 13.16-17). Desde muito cedo, a tradição cristã relacionou as duas passagens No escrito De corona, Tertuliano registra que os cristãos traçavam a cruz do Senhor sobre a testa, em diversas ocasiões, e que tal costume era muito antigo; Na Tradição Apostólica (c. 215 d.C.), recomenda-se a persignação para quem se sente tentado; Cirilo de Jerusalém (c.313-386 d.C), em sua  Catequese de número XIII (pronunciada em meados do séc. IV) ensina o valor do sinal da cruz; Atanásio de Alexandria (296-373 d.C.), campeão da doutrina trinitariana, faz menções frequentes ao sinal. Na sua Explicação sobre o Símbolo, Ambrósio (c.339-397 d.C.) relata a prática da persignação durante a recitação do Credo (Símbolo) Apostólico; Lutero recomenda a persignação, p.e, durante as orações matutinas e noturnas(em seu Catecismo Menor),  e durante os ritos batismais e de ordenação de ministros; o Bem-aventurado Martin Chemnitz, um dos maiores dogmáticos luteranos, registra a antiguidade e a importância da prática. Uma rápida análise nos manuais litúrgicos da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e da Igreja Evangélica Luterana no Brasil, e suas respectivas “igrejas-irmãs” nos EUA (Evangelical Lutheran Church in America e The Lutheran Church - Missouri Synod) confirmará a importância da prática entre os luteranos.

15.“Quem se aparta da Igreja e se junta a uma meretriz  separa-se também das promessas da Igreja; quem deixa a Igreja de Cristo não alcançará os prêmios do Cristo. É um estranho, um profano, um inimigo. Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por Mãe.” (Cipriano de Cartago- c. 251 d.C. em A Unidade da Igreja Católica). Os ensinamentos batismais de Santo Agostinho possuem o mesmo teor. A verdadeira Igreja Católica não está presa a hierarquias históricas, e sim ao poder da Palavra e dos Sacramentos.

16. Vejamos a opinião de um notável prelado e teólogo bizantino medieval, a respeito da tirania Romana: “Amado irmão, nós não negamos à Igreja de Roma a primazia entre os cinco patriarcados irmãos(...)Mas ela se separou de nós por seus próprios atos, quando, por orgulho, assumiu uma monarquia que não faz parte de seu ofício... Como haveremos de aceitar decretos seus que foram publicados sem sermos consultados ou mesmo sem termos conhecimento deles? Se o Pontífice romano, sentado no trono altivo de sua glória, deseja nos atacar e, por assim dizer, das alturas "despejar" mandatos sobre nós, se deseja nos julgar ou nos governar e às nossas Igrejas, não se aconselhando conosco, mas por seu prazer arbitrário, que tipo de irmandade ou mesmo que tipo de parentesco pode haver? Seríamos os escravos e não os filhos de tal Igreja, e a Sé de Roma, não a mãe piedosa de seus filhos, mas uma rígida e imperiosa senhora de escravos"(Nicetas de Nicomedia, séc. XII).  O VI Cânone do Concílio de Niceia (325 d.C.) diz:“O bispo de Alexandria terá jurisdição sobre o Egito, Líbia e Pentápolis; assim como o bispo Romano sobre o que está sujeito a Roma. Assim, também, o bispo de Antioquia e os outros, sobre o que está sob sua jurisdição;O prefácio da Confissão de Augsburgo (1530) também discorre sobre a da tirania papal. O “Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa”(1537), redigido por Melanchton, denuncia de maneira efusiva os abusos romanos.

17. Na ocasião, os patriarcas ortodoxos escreveram uma carta ao papa Pio IX, dizendo que: “Entre nós, nem Patriarcas nem Concílios podem introduzir novos ensinamentos, pois o guardião da Religião é o verdadeiro corpo da Igreja, isto é, o Povo (Laos).”

18. A Igreja de Roma foi o único ramo da Cristandade que estabeleceu a proibição absoluta de clérigos casados. A Igreja Ortodoxa e as Igrejas Não-Calcedonianas (como Coptas, Armênios e Jacobitas), ordenam homens casados  ao sacerdócio (embora não permitam que os já ordenados venham a contrair matrimônio). No século IV, havia até mesmo bispos (o grau hierárquico máximo) casados, dos quais o mais conhecido foi São Gregório de Nissa, um os “Três Padres Capadócios”. O celibato obrigatório induziu muitos sacerdotes, aos quais Deus não havia concedido a continência, à práticas lascivas e imorais. O uso de prostitutas, amantes mantidas em segredo e até mesmo relações homossexuais entre clérigos (a homossexualidade era, na teologia escolástica, bem mais grave do que a fornicação e o adultério) eram notórios em toda a Cristandade. Cf. 1Tm 3.2; 4.3; Tt  1.6.

19. Tal tirania a respeito do sacramento também era uma exclusividade romana. Os Bizantinos, por exemplo, sempre comungaram os dois elementos simultaneamente, numa colher. Em seu tratado Do Cativeiro Babilônico(1520), com avassaladores argumentos da Bíblia e da Patrística, além de citar prática da Igreja Ortodoxa e dos cristãos da Boemia (discípulos de Huss, teólogo e sacerdote checo, martirizado em 1415 pela Inquisição), Lutero refuta os sofismas utilizados pelos apologistas do papado a fim de estabelecer a prática da communio sub uno (os leigos só recebem a hóstia). Nas últimas décadas, a Igreja de Roma permitiu aos fiéis a participação no cálice.

20. Em João 20.21-23, Jesus concede a todos os apóstolos o poder das chaves. Em Tiago 5.16, fica explícito que a confissão e seus benefícios são estabelecidos para todos os fiéis. A tarefa de perdoar ou de reter pecados é, na tradição bíblica, parte do múnus sacerdotal – o qual, segundo o apóstolo Pedro, pertence a todo o povo santo (1Pe 2.5-9. Ap 5.8-10). O ápice dos abusos envolvendo o "Poder das Chaves foi o estabelecimento da doutrina do “tesouro de méritos” e, consequentemente, das negociações" envolvendo indulgências  (Bula Unigenitus Filius Dei, assinada por Gregório VI, em 1343).

21.Para uma análise da doutrina da justificação pela fé na Bíblia e na tradição dos Pais e Doutores, recomendo a leitura dos artigos IV e XII completos da Apologia da Confisso de Augsburgo.

22. O tratado Do Cativeiro Babilônico (1520) é inteiramente dedicado a condenar os erros do papado em relação a teologia sacramental. Os Artigos II, XI, XIII, XXII e XXIV da Apologia da Confissão de Augsburgo (1531), redigida por Melanchton, também são importantes refutações aos erros de Roma.

23. Embora não tenha sido imoral como Alexandre VI, nem polêmico como Julio II, Giovanni de Médici (Leão X) foi um pastor distante de seu rebanho. Embebido pela soberba da doutrina curialista, levando ao ápice a centralização do governo eclesiástico, importava-se mais com a glória aparente do que com a verdadeira doutrina e harmonia da Igreja. A maneira relapsa como agiu diante dos abusos dos vendedores de indulgências, a pouca importância dada às necessidades de seu rebanho,  sua vaidade pessoal e a recusa em assumir um projeto de Reforma da Igreja o transformam no verdadeiro autor do cisma do Ocidente.

24.  Como o impagável livro Rasto de Sangue, escrito pelo teólogo batista norte-americano James Milton Carroll (1858-1931). Teorias baseadas nas de Carroll são ensinadas, até hoje, em círculos batistas, evangelicalistas e pentecostais.

25. Em suas preleções sobre Lei e Evangelho, o Bem-aventurado Carl. F.W. Walther (1811-1887), conhecido por sua estrita confessionalidade, expressa a sua visão sobre o tema “Parece estranho que certas pessoas tenham chegado à doutrina de que a Igreja Luterana visível é a Igreja fora da qual não há salvação. No entanto, apesar de parecer incompreensível à primeira vista, é facilmente explicado pela natureza desse erro. A mãe desse terrível erro que estamos estudando é a doutrina que diz que a Igreja é uma instituição visível que Cristo estabeleceu na Terra, que em nada difere de um estado religioso. É governada por superintendentes, bispos, concílios eclesiásticos, pastores, diáconos, sínodos e outros mais. Todo aquele que está,ao menos um pouco, familiarizado com a Palavra de Deus, sabe que essa é uma concepção errônea (....) Ninguém deve ser levado a filiar-se à Igreja Luterana por pensar que só assim terá acesso à Igreja de Deus. Ainda há cristãos na Igreja Reformada, entre os metodistas, sim, entre os papistas”. Embora Walther negasse aproximações institucionais com outros grupos –não sendo, portanto, um ecumênico - o gérmen do posicionamento ecumênico adotado pela Federação Luterana Mundial também pode ser encontrado aí; Edward W.A. Koehler (1875-1951), mesmo possuindo posicionamento estrito, ainda é capaz de admitir: “Quando dizemos que a Igreja Luterana é a igreja verdadeira, ou ortodoxa, não queremos dizer que ela seja a única igreja salvadora, ou que todos os seus membros são cristãos verdadeiros e que serão infalivelmente salvos. Ser membro da Igreja Luterana não é idêntico a ser membro da igreja invisível. Mas queremos dizer que todos os seus ensinamentos oficiais concordam com a Palavra de Deus (...) (Sumário da Doutrina Cristã). Nos dias atuais, a maioria das igrejas luteranas (ligadas à Federação Luterana Mundial) participam ativamente do ecumenismo institucional. Um claro exemplo é a assinatura da Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (1999), na qual luteranos e romanos estabelecem ao menos um terreno comum para posteriores discussões a respeito do tema, derrubando antigos preconceitos e "espantalhos". O papa Francisco tomou parte nas celebrações dos 500 anos da Reforma (2017), e teceu grandes elogios a Lutero.

26.(...)para todo homem que nasce de novo, a água do batismo é como o seio virginal: o mesmo Espírito que veio sobre a Virgem vem agora à fonte batismal; assim, o pecado, que foi então aniquilado por uma santa concepção, aqui é tirado pela ablução mística.” (Quarto Sermão no Natal do Senhor, de S. Leão Magno);

27.(...) a vara de Aarão floresceu. Antes estava seca, depois brotou de novo. Também tu estavas seco e começaste a brotar de novo na água corrente da fonte. Estavas seco pelos pecados, estavas seco pelos erros e faltas, mas já começaste a dar fruto, pois estás plantado junto à corrente d'água. (Ambrósio de Milão, Sobre os Sacramentos);Justino de Roma, em sua I Apologia, registra uma elevada teologia batismal:Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho da regeneração, com que também nós fomos regenerados, eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo. É assim que Cristo disse: “Se não nascerdes de novo, não entrareis no Reino dos Céus”. Em seu Catecismo Maior, Lutero escreve: "Assim, fica claro que o batismo é algo extraordinário. Ele nos livra das garras do diabo, ele nos torna posse divina, ele suprime e remove o pecado e depois fortalece diariamente o novo homem, e permanece sempre eficaz até que passamos desse estado de miséria para a glória eterna. Por esse motivo, cada um deve considerar seu batismo como a roupa que veste todo dia, em que ele deve andar continuamente e ser encontrado constantemente na fé e gerar seus frutos para que subjugue o velho homem e cresça no novo. Pois se quisermos ser cristãos, precisamos viver no batismo, por meio do qual nos tornamos cristãos. Mas se alguém negar seu batismo, que retorne a ele.

28. O que é o Sacramento do Altar? R -É o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo para ser comido e bebido, sob o pão e o vinho, por nós, cristãos, como Cristo mesmo o instituiu.(Catecismo Menor); o livro In Coena Domini (escrito pelo Bem aventurado Martin Chemnitz), tem suas mais de 500 páginas totalmente dedicadas a defender a posição luterana a respeito da Santa Ceia, apresentando importantes insights cristológicos, análise gramatical do texto bíblico,  argumentos da Patrística e refutações das posições heterodoxas.

29. Cada um, peço-vos, irmãos, confesse o seu pecado enquanto quem pecou ainda está nesta vida, enquanto a sua confissão pode ser recebida, enquanto a penitência e a remissão pelas mãos dos sacerdotes è grata junto a Deus. (De Lapsii, Cipriano de Cartago)

30. Refiro-me aos luteranos ecumênicos (como as igrejas filiadas à Federação Luterana Mundial).No livreto “Identidade Luterana: Reflexões em Dez Capítulos”, o Dr. Gottfried Brakemeier (pastor da IECLB), deixa clara a necessidade de destacar os pontos da nossa fé: “Se não pudermos justificar com argumentos convincentes por que, afinal de contas, somos pessoas evangélicas de confissão luterana, as comunidades se dissolvem (...) Queremos descobrir  os tesouros de nossa herança confessional. Só isto. E se o conseguirmos, saberemos o que nos compromete, por que  somos cristãos de confissão luterana e o que nos compete transmitir e divulgar.” No livreto “Quem é a IECLB?” ,encontramos as seguintes afirmações:”A base de fé da IECLB é a Bíblia (...)A base doutrinária da IECLB é estabelecida pelos credos da igreja antiga, pela Confissão de Augsburgo e pelo Catecismo Menor de Martim Lutero. A base de fé e a base doutrinária da Igreja Luterana podem ser resumidas em quatro princípios: Somente Cristo, Somente a Fé, Somente a Graça e Somente a Escritura.”; “Ecumenismo não implica necessariamente a superação de diferenças entre as Igrejas, mas o diálogo, a convivência fraterna e a cooperação para o testemunho cristão no mundo.”

31. A partir do termo alemão “evangelisch” “Hoje em dia, o termo evangélico é utilizado para se referir a uma grande variedade de protestantes mais ou menos conservadores. Apesar de todas as suas diferenças, batistas, carismáticos, calvinistas, wesleyanos e os vários “ministérios paraeclesiásticos” não denominacionais enfatizam a salvação por Jesus Cristo e enfatizam “evangelismo”. Dessa forma, o termo é apropriado. Porém, originalmente, a palavra evangélico significava “luterano”. (Gene Edward Veith Jr, em Espiritualidade da Cruz). As denominações dos dois principais grupos luteranos no Brasil, “Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil”, e “Igreja Evangélica Luterana no Brasil”, expressam a realidade da fé luterana: seu centro é o Evangelho de Cristo, e não a pessoa de Martinho Lutero.

32.“A Lei de Deus, como mencionada na Escritura, faz com que o mais correto moralista se contorça de vergonha. Com suficiente força de vontade, podemos controlar o nosso comportamento, embora isso seja muito difícil de ser feito conscientemente. Mas como podemos controlar o que acontece dentro de nós – a raiva, a cobiça e a preocupação consigo mesmo – que ameaçam, se aquilo que a Bíblia diz for verdade, desfazer todos os méritos de nossas boas ações?”(VEITH Jr., Gene Edward, em Espiritualidade da Cruz);  O hino “Cristãos, alegres jubilai”, do hinário “Hinos do Povo de Deus” (adotado pela IECLB) expressa claramente a impotência e o cativeiro da humanidade pecadora.  Ele pode ser encontrado em: https://www.luteranos.com.br/textos/cristaos-alegres-jubilai ;

33. De Servo Arbitrio (“Sobre a vontade cativa”) é o título de um livro escrito por Lutero, no ano de 1525 em refutação ao posicionamento de Erasmo de Roterdã. Muitos evangélicos brasileiros leram o livro “Nascido Escravo” – adaptação truncada e de péssima qualidade do tratado De Servo Arbitrio

34.Deus todo-poderoso, Pai misericordioso. Eu, pobre pecador, confesso-te todos os meus pecados e injustiças que cometi em pensamentos, palavras e ações. Com eles, em algum momento, causei a tua ira, merecendo o teu castigo nesta vida e na eternidade. Todos estes pecados pesam na minha consciência e me arrependo deles profundamente. Peço-te, por causa da tua misericórdia infinita e da inocente e amarga paixão e morte de teu Filho Jesus Cristo: tem misericórdia de mim, pobre pecador. Perdoa-me todos os meus pecados. Concede-me a força do teu Espírito Santo para melhorar a minha vida. Amém! (tradicional oração luterana para a confissão de pecados).

35. Portanto, todos foram glorificados e engrandecidos, não por eles mesmos, nem por suas obras, nem pela justiça dos atos que praticaram, e sim por vontade dele. Por conseguinte, nós, que por sua vontade fomos chamados em Jesus Cristo, não somos justificados por nós mesmos, nem pela nossa sabedoria, piedade ou inteligência, nem pelas obras que realizamos com pureza de coração, e sim pela fé; é por ela que Deus Todo-Poderoso justificou todos os homens desde as origens.” (Clemente de Roma, I Epístola, déc. 90 d.C.); No "I Sermão da Anunciação da bendita Virgem", S. Bernardo de Claraval declara: "Antes de mais nada é preciso crer que não podes ter remissão de pecados a não ser por indulgência divina. Depois, que não podes ter nenhuma boa obra a menos que também isso ele o tenha dado. Por último, que não podes merecer a vida eterna por obra alguma, senão que também ela é dada gratuitamente."(apud Apologia da Confissão de Augsburgo); Sobre a justiça da fé antes Deus cremos, ensinamos e confessamos, unanimemente, de acordo com o epítome de nossa fé e confissão cristãs acima apresentado: que o pobre pecador é justificado diante de Deus, isto é, absolvido e declarado livre e isento de todos os pecados e da sentença da bem merecida condenação, e é recebido (....) sem qualquer ‘mérito ou dignidade’ de nossa parte, também sem quaisquer obras antecedentes, presentes ou subsequentes, tão-só por graça...”(Trecho da Fórmula de Concórdia)“O Batismo infantil, na verdade, talvez seja a melhor ilustração da justificação pela fé. Um ensino característico do luteranismo sobre o Batismo é que o infante batizado realmente tem fé.  Na verdade, um bebê não possui muito conhecimento ou capacidade de escolher – mas a fé não é questão de domínio intelectual nem uma decisão.” (VEITH JR.,Gene Edward, em Espiritualidade da Cruz)

36.“Quando se pergunta a um luterano “quando você foi salvo?”, a resposta provavelmente vai ser algo do tipo “há cerca de 2000 anos, quando Jesus morreu na cruz e ressuscitou dos mortos”. O cristianismo não tem tanto a ver com um código de comportamento ou um sistema de crenças ou ainda um conjunto de experiências quanto tem a ver com o próprio Cristo. Nós somos salvos somente pela ação de Deus: ele é quem nos salva ao fazer tudo o que nunca conseguiríamos.”(VEITH JR.,Gene Edward, em Espiritualidade da Cruz).

37.Segundo a Fórmula de Concórdia, "Cremos, ensinamos e confessamos que somente os escritos proféticos e apostólicos do Antigo e do Novo Testamento são a única regra e norma segundo a qual devem ser ajuizadas e julgadas iguamente todas as doutrinas e todos os mestres(...)

38. "Portanto, a acusação dos fanáticos de que os luteranos não insistem na conversão não tem base alguma. A acusação é feita na suposição de que os luteranos ensinam as pessoas a confiarem no fato de que foram batizados e receberam a Santa Ceia. Mas isso de modo algum é o que ensinamos. A nossa doutrina é esta: Existe determinada promessa de Deus ligada ao Batismo e à Santa Ceia, que deve ser aceita sem duvidar. E essa somente as pessoas que se tornaram pobres pecadores podem aceitar. Dizer a uma pessoa : 'Você deve se consolar com seu Batismo' e 'Você deve dirigir-se a Jesus Cristo' é a mesma coisa." (WALTHER, C.F.W., em A correta distinção entre Lei e Evangelho).

39. Na já citada obra In Coena Domini, Chemnitz faz distinção entre três níveis de comunhão na santa ceia. Em nível digestivo, apenas a hóstia e o vinho consagrados são “alimento”. Em nível sacramental, os reais corpo e sangue de Cristo são ingeridos oralmente, quer os comungantes tenham fé, quer não tenham. Em nível espiritual, apenas os que participam com fé recebem os benefícios do sacramento.

40 “Eu, porém, provo o contrário. Primeiro: Em Mateus (18.15) Cristo diz sobre os pecados públicos, que ganhamos a alma do irmão se ele nos atende, uma vez corrigido. Não se deve denunciá-lo à Igreja, salvo o caso de não querer ouvir. Assim o pecado pode ser emendado entre irmãos. Isso vale ainda mais para os pecados ocultos. O pecado é apagado se o irmão o confessou espontaneamente ao irmão. Não é necessário confessá-lo à Igreja, isto é, ao prelado ou sacerdote (como garganteiam os próprios intérpretes). No tocante a essa afirmação temos novamente a autoridade de Cristo que diz no mesmo lugar (Mt 18.18): “Tudo o que ligardes na terra, será também ligado nos céus; e tudo o que desligardes na terra, será também desligado no céu.” Isso foi dito a todos os cristãos e a cada um em particular. No mesmo lugar é dito (Mt 18.19): “Outra vez vos digo que, se dois entre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que pedirem, ser-lhes-à concedida por meu Pai que está nos céus.” (LUTERO, Martinho, em Do Cativeiro Babilônico).

41."Somos livres para tomar decisões, para fazer algo ou deixar de fazer algo. Igreja Luterana não cria códigos de postura para determinar a ação de seus membros. A partir da fé, a pessoa mesma pode julgar o que é certo de acordo com a consciência. Não precisa de tutela de instituições ou de outras pessoas. A consciência que decide, todavia, é a consciência orientada pela Palavra de Deus. Ela fornece os critérios necessários para decidir e agir. E o critério supremo é o amor. Fundamentada no amor, a liberdade cristã torna-se responsável." (VOIGT, Emilio em Quem Somos Nós?)

42. "...a igreja luterana se opõe à substituição da fé pelo êxtase. Transe, falar em línguas, exorcismos e experiências semelhantes existem também em outras religiões. Não são fenômenos especificamente cristãos." (BRAKEMEIER, Gottfried, em Confessionalidade Luterana).

43. O ponto VIII da Epítome, na Fórmula de Concórdia, trata do tema com o máximo esmero possível

44,“Experimentou em seu coração a fúria da ira de Deus (Salmo 22. 14,15). Quando Deus o desamparou, sofreu tormentos infernais. Enquanto o sofrimento físico de Cristo talvez não tenha sido maior do que o do malfeitor, o sofrimento de sua alma foi incompreensivelmente grande. A eternidade do tormento infernal que nós houveríamos de sofrer foi contrabalançado no caso de Cristo pelo fato de ele ser Deus. (KOEHLER, Edward, em Sumário da Doutrina Cristã).

45."Mas quando ensinamos que pela operação do Espírito Santo renascemos e somos justificados, isso não quer dizer que depois do renascimento já nenhuma injustiça na essência e na vida adere aos justificados e regenerados, porém que Cristo, com sua perfeita obediência, cobre todos os pecados deles, os quais nesta vida ainda estão cravados na natureza. Apesar disso, porém, são declarados e considerados santos e justos pela fé e por causa dessa obediência de Cristo(...), nada obstante o fato de eles, em virtude de sua natureza corrompida, ainda serem pecadores e continuarem sê-lo até a sepultura." (Trecho da Fórmula de Concórdia)

46."Para abrir um caminho mais fácil para as pessoas rudes (pois é só a estas que sirvo), adianto estas duas teses acerca da liberdade e da servidão do espírito: O cristão é um senhor libérrimo sobre tudo, a ninguém sujeito; o cristão é um servo oficiosíssimo de tudo, a todos sujeito." (LUTERO, Martinho, em Da Liberdade Cristã)

47. "Essa mudança de coração de inimizade em amor também traz mudança de mente com respeito às coisas da vida. Sua visão da vida e  sua valorização das coisas terrenas estão mudadas (Fp 3.7,8), e sua afeição se dirige para as coisas do alto (Cl 3.2). Por amar a Deus, sua mente não mais está posta nas obras da carne, que Deus aborrece,  mas nas coisas do Espírito, que são agradáveis a Deus -Rm  8.5.” (KOEHLER, Edward, em Sumário da Doutrina Cristã).

 48. “Assim vês quão rico é o homem cristão, ou seja, o batizado, o qual, mesmo querendo, não pode perder a sua salvação com pecados quaisquer, a não ser que se negue a crer. Porque nenhum pecado pode condená-lo, senão unicamente a incredulidade.”(LUTERO, Martinho, em Do Cativeiro Babilônico).

49. Uma experiência pessoal do autor:ao adotar a distinção entre Lei e Evangelho, pude compreender como a doutrina Sola Fide é inseparável da crença na possibilidade da apostasia pessoal.

50. "O poder da igreja e o do estado são ambos ordenados por Deus, mas diferem radicalmente um do outro nas áreas em que operam, nos meios e métodos que empregam e nos objetivos que procuram alcançar.(...) O estado preserva a paz externa da comunidade e garante a todos os cidadãos o gozo de suas liberdades civis e religiosas; a igreja oferece bênçãos espirituais e leva a paz de Deus a almas atribuladas.".; "Em virtude dessa diferença os dois poderes devem ser mantidos separados, de acordo com a declaração axiomática de Jesus: 'Dai, pois, a César, o que é de César, e de Deus o que é de Deus'; "O governo civil não trata com os homens na esfera espiritual, mas na secular, sendo por isso guiado em seu trabalho pela razão, não pela Escritura"; "a estrita separação de igreja e estado conduz ao bem-estar de ambos". (KOEHLER, Edward, em Sumário da Doutrina Cristã).

51. Recomendo a leitura da Carta Pastoral Igreja e Política(1988), publicada pelo então pastor presidente da IECLB. P. Dr. Gottfried Brakemeier. A carta pode ser lida aqui  https://www.luteranos.com.br/textos/igreja-e-politica-1988