(Ano A – Evangelho de S.Mateus
26.17-32)
"Antes da
ceia, Jesus aos seus discípulos/ Lavou os pés com grande contentamento/ durante
a ceia Jesus anunciou/ com grande gosto o seu novo mandamento." 1. Na
Quinta-feira da Paixão, são lembrados o mandamento do amor, o ritual do lava-pés
e a instituição do Santo Sacramento da Eucaristia.
Jesus quis celebrar o "Sêder"(סדר)2, refeição ritual, com os seus discípulos, durante
o período litúrgico da Parasceve, preparação para o dia principal da Páscoa
(Pessach), quando os cordeiros eram imolados. Enquanto eles agiam como crianças
na fé, disputando prêmios e recompensas no Reino dos Céus (Lc 22.24- assim como
nós o fazemos até hoje), Jesus decide mostrar que o caminho para baixo é o
único caminho para cima. Cingindo uma toalha, realiza a humilhante tarefa de
lavar os pés dos Doze, tarefa reservada a escravos (Jo 13.1-17). Afirma que a
quem já foi limpo, apenas os pés necessitam ser lavados. Nós, que fomos lavados
pelo santo Batismo (Tt 3.4-5; I Pe 3.21; Mc 16.16; Jo 3.5), não precisamos de
outros ritos de purificação ou "marcos de conversão". No entanto, que
as sujeiras diárias da caminhada na vida terrena sejam sempre lavadas pelo
arrependimento sincero diante de Deus (I Jo 2.1). E seguindo a orientação do
Senhor, devemos servir e honrar nosso irmão, por amor sincero e profundo (Jo
15.17; I Jo 3), e não mero dever ou “medo do inferno” (I Jo 4.18). Nesta santa
comunhão entre o povo santo, perdoamos e somos perdoados (Lc 6.37). O rito de
lava-pés é praticado até hoje, nos cultos/missas de Quinta-feira Santa nas
igrejas mais litúrgicas e tradicionais. É considerado uma "ordenança",
ao lado do batismo e da Ceia, por alguns grupos anabatistas e pentecostais.
Jesus estabeleceu então um dos
três meios de graça para a humanidade: A Palavra, o batismo e o Sacramento do
Altar (também conhecido como Ceia do Senhor, Santa Ceia ou Eucaristia). Após
tomar o pão, "deu graças". Isto não indica como muitos pensam
atualmente, uma oração espontânea, improvisada e simples. Na verdade, Jesus
recitou as preces litúrgicas judaicas, de ações de graças ao "Deus do
Universo", pela criação, libertação do cativeiro e eleição de Israel. Em
tais preces é inspirada a "Grande Oração de Ação de Graças", típica
das liturgias católica3, ortodoxa4, luterana5,
anglicana6 e de diversas congregações protestantes. O rito seguia
"no padrão". Então, de maneira estranha, Jesus considera o pão (até
então auxiliar na santa refeição), como o elemento principal na ressignificação
do rito à luz do que deveria acontecer:
"Tomai e comei. Isto é o
meu corpo que é partido por vós". Ao menos uma vez por ano, católicos,
ortodoxos, coptas, armênios, luteranos, anglicanos, reformados, batistas,
metodistas, pentecostais, adventistas, evangelicalistas e diversos outros
cristãos ouvem as célebres palavras. É triste o fato de que este santo
sacramento, que deveria ser "vínculo de unidade", tenha se tornado
motivo de contradição. Diferentes ideias a respeito da natureza da presença de
Cristo, de quem pode participar e da liturgia utilizada levaram a intermináveis
conflitos a respeito do assunto. Tais questões devem ser tratadas com amor,
diálogo e tolerância. Mas não podemos nos abster da teologia bíblica a respeito
do assunto. Os luteranos creem e confessam que, ao dizer "Isto é o meu
corpo", tais palavras devem ser interpretadas em sentido simples. Jesus
não disse: "Isto simboliza o meu corpo" (visão
memorialista/zwingliana), nem "Meu espírito estará presente, fazendo lembrar-vos
do meu Corpo" (visão reformada/calvinista), tampouco "Isto deixará de
ser isto e se transformará no meu Corpo" (visão católica
romana/transubstanciação). Evitando racionalizações humanas , especulações
frívolas e emocionalismos, cremos, seguindo a Igreja Antiga e os Santos Pais
(como Justino7, Irineu8. Inácio9 e Ambrósio10),
na presença real, substancial e corporal de Cristo no sacramento (União
Sacramental. Luteranos NÃO creem em consubstanciação). Nas palavras de Lutero, a santa ceia "é o Corpo e o Sangue de nosso
Senhor Jesus Cristo, para ser comido e bebido por nós, sob as espécies do pão e
do vinho"11. Ele está presente "com, sob e em as
espécies". O pão permanece sendo pão. O vinho permanece sendo vinho. No
entanto, o corpo e o sangue físicos de Cristo, mediante a proclamação das
palavras, tornam-se realmente e objetivamente unidos aos elementos físicos.
Isso é um mistério de fé, que devemos humildemente aceitar e crer, sem buscar
subterfúgios ou explicações de nossa ínfima mente. No sacramento nos são concedidos
também vida e perdão dos pecados11. Da mesma maneira que o amor divino se faz presença física, nosso amor pelos irmãos deve se traduzir em obras concretas.
Os que objetam que Jesus não
poderia estar presente, inteiro, ao mesmo tempo em que distribuía seu corpo
para ser comido pelos doze, parecem esquecer que a realidade do corpo físico do
Senhor age milagrosamente pelo fato de estar em União Hipostática (Jo
1.14)12 com a Segunda Pessoa da Trindade, de forma indissolúvel,
devido a uma "comunicação de atributos" (communicatio idiomatum) e a
onipotência divina, o Corpo físico de Cristo pode perfeitamente partilhar dos
atributos de sua divindade, incluindo a onipresença. Nenhum ser ou ente nos
céus e na terra jamais partilhou ou partilharás de duas naturezas (humana e
divina), substancialmente unidas, de maneira inconfundível e indivisível.
Portanto, é impossível qualquer comparação perfeita com as criaturas. Qualquer
distorção desta doutrina pode redundar em nestorianismo ou (no outro extremo),
monofisismo.
O fato de todos os discípulos
(que mais tarde, excetuando-se João, o abandonariam), incluindo Pedro (que o
negaria pouco depois) e até o traidor, Judas, ter recebido o sacramento das
mãos do Senhor (pois "já estavam limpos", como lemos a pouco). nos
alerta do risco de tentar construir uma Igreja apenas de "puros e
regenerados", como apregoavam os donatistas (na Igreja Antiga) ou os
anabatistas (na época de Lutero). A tentativa de separação arbitrária, legalista,
precisa e perfeita entre o joio e o trigo (Mt 12,24-30) têm levado a um
problema gravíssimo: a soberba luciferiana, a tentativa de construir o Reino
dos Céus a partir de nossas próprias forças e noções equivocadas.
Termino citando o hino eucarístico
“Deus seja louvado e bendito”, do Dr. Martinho Lutero:
“1-Seja bendito, Deus seja louvado por nos ter
alimentado
com sua carne e com seu santo sangue, para o bem
no-lo concede.
Kyrie eleison.
Senhor, pelo santo corpo teu, que da virgem Maria
nasceu,
por teu sangue, Senhor, livra-nos de toda dor.
Kyrie eleison.
2- Seu santo corpo foi sacrificado, tendo a vida
conquistado.
E para celebrar sua memória bem maior não dar
podia.
Kyrie eleison.
Teu imenso amor te constrangeu que na cruz verteste
o sangue teu.
Nossa culpa pagou, e o favor de Deus granjeou.
Kyrie eleison.
3- Que tua graça, ó Deus, nós obtenhamos,
e no teu caminho andemos; e para que não nos
arrependamos, em fraterno amor vivamos.
Kyrie eleison.
Não nos abandone o Espírito, que conceda
comedimento,
e que teu povo então viva em santa paz e união.
Kyrie eleison13
Referências:
5. Culto -
modelo litúrgico. Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil.
Disponível em:
7. JUSTINO DE ROMA. I Apologia. Col. Patrística vl. 3. Ed. Paulus.
8. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. Col. Patrística vl. 4. Ed. Paulus.
9. INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos Esmirniotas. Col. Patrística vl. 1- Padres Apostólicos. Ed. Paulus.
10.AMBRÓSIO DE MILÃO. Sobre os Sacramentos. Col. Patrística vl. 5. Ed Paulus.
12. Novo
Dicionário de Teologia -Ed. Hagnos