Existe
uma frase latina de grande significado no estudo de liturgia. "Lex orandi,
lex credenti". O que ela significa? "A norma da oração é a norma da
crença". Ainda não entendeu? De fato, é algo um tanto desconhecido por nós
protestantes brasileiros. Essa sentença expressa que a liturgia da igreja é a
imagem de sua fé, e há uma influência recíproca entre ambas. E foi isso que
pudemos ver d
urante a maioria da história do Cristianismo. A própria seleção
dos livros do cânon do Novo Testamento foi baseada, em parte, pelo uso destes
na liturgia da Igreja primitiva. Chegando aos nossos dias, temos vários
exemplos: a Igreja
Ortodoxa, em sua "Divina Liturgia" revela de forma
aberta os diversos nuances de sua fé(a Santíssima Trindade, a encarnação de
Cristo, a natureza do sacerdócio, o papel dos santos falecidos, etc.).Muitas
congregações católicas romanas mostram a grande mudança ocorrida a partir do
Concílio do Vaticano II substituindo a velha "Missa Tridentina" pela
"Missa de Paulo VI "(como o aumento da atuação do laicato,
possibilitado, entre outros, pela tradução da missa nos vernáculos). No
entanto, entre as igrejas protestantes, a situação é muito nebulosa. Ora,
sabemos que em matéria de liturgia, qualquer coisa pode ser vista entre os
protestantes. De um lado, o ajoelhar ao receber a santa ceia. De outro,
batismos no toboágua. De um lado, pastores com togas e estolas. De outro,
pastores vestidos como o Chapolin Colorado (ou o Batman). Mas não pretendo
tratar de questões muito complexas. Apenas de alguns pontos comuns entre a
maioria dos evangélicos, e indigestos caroços que se propagam a cada domingo em
nossas igrejas. Vejamos:
Os louvores: Conforme expressado pelo
escritor Franklin Ferreira em seu livro "O Credo dos Apóstolos", boa
parte de nossos hinos seriam cantados
sem problemas por espíritas e mulçumanos, visto que são neutros demais em
relação aos grandes dogmas da fé cristã ortodoxa. Só se fala da benção de Deus,
do cuidado de Deus e outros assuntos periféricos. Ora, tais temas estão dentro
do escopo da fé cristã, e podem ser utilizados, mas na medida certa. Precisamos
voltar a cantar: "Santo! Santo! Santo! Nosso Deus Triúno";
"Sempre a cruz, Jesus, meu Deus, queiras recordar-me" e outros que
falam da natureza de Deus, das doutrinas da criação e da redenção em Cristo.
Existe,
no entanto, casos piores: hinos abertamente heréticos sendo utilizados em
cultos, de modo que em muitas igrejas tradicionais e pentecostais nominalmente
sérias, podemos nos sentir num culto neopentecostal, com todo o triunfalismo da
teologia da prosperidade. Os crentes exigem: "Hoje o meu milagre vai
chegar", "Restitui! Eu quero de volta o que é meu" entre outras
bravatas. Recentemente, comentei no Facebook a respeito de um hino que nos
ensina a "pagar o preço "
para ir para o céu. Qualquer protestante com um pouco de conhecimento teológico
sabe que o principal motivo da Reforma foi a recusa de Roma em aceitar a
doutrina da "salvação pela fé apenas" (sola fide).
As orações: Geralmente, nas igrejas
evangélicas, as orações não são recitadas, mas espontâneas. O que, por vezes, é
um tiro no pé. Em nome da "liberdade do Espírito", os dirigentes de
nossos cultos permitem que verdadeiras aberrações teológicas sejam ditas por
irmãos sem muito discernimento que são escolhidos para elevarem a voz da Igreja
em oração. A doutrina da Trindade é totalmente bagunçada nas preces, elementos
da já citada teologia da prosperidade são propagados, e por vezes as
denominações dos seres espirituais da Umbanda são utilizadas.
Os sermões: Temos visto as piores
porcarias serem ditas em nossos púlpitos. Certos pregadores dizem que o diabo
estuprou Eva no Éden. Há aqueles que afirmam que Jesus era rico. Outros contam
testemunhos como aquele das galinhas batizadas com o Espírito Santo. E também,
em relação a algo que ocorreu recentemente, é incrível ver como os pentecostais
babam de raiva quando uma igreja dá a oportunidade do sermão a um padre
católico romano, mas não veem problema algum em cedê-lo a um pregador
neo pentecostal.
A Ceia do Senhor: Temos visto grande
irreverência e uma enorme pobreza litúrgica da celebração dessa sublime ordenança
do Cristianismo. Muitos pastores insistem em celebrá-la com KiSuco e pão de
forma de péssima qualidade. Já que esta ceia é tão importante para nós,
deveríamos celebrar com um pouco mais de solenidade, talvez utilizando-se de um
só pão e um só cálice na hora da consagração, orações mais elaboradas e solenes
por parte dos ministros (como é o costume tradicional do Cristianismo, datado
de seus primórdios), hinos mais adequados e o uso da recitação do “Pai nosso”,
oração ensinada pelo próprio Senhor Jesus.
Outras partes do culto: Entre outras
práticas de nossas igrejas que são um verdadeiro desserviço á expressão da
verdadeira fé, temos o tal do "reteté" e outras estranhas
manifestações atribuídas ao Espírito Santo. Pensando que tal expressão
representa o pentecostalismo autêntico, alguns irmãos acabam virando motivo de
escândalo para outros irmãos e chacota para os ímpios.
Por
fim, é necessária uma revisão nos aspectos do culto público em nossas igrejas.
Este dever vir, primeiramente, do coração, mas deve também ser um “culto
racional”, e expressar a beleza da contemplação da majestade de Deus. Devemos
mostrar quem é o verdadeiro povo de Deus, que mantém a pura fé bíblica,
conforme expressada nos credos da Igreja primitiva, e renovada pelo sopro da
Reforma protestante e pelos grandes avivamentos no seio do Cristianismo. Nossas
liturgias devem refletir os dogmas de nossa fé, não podemos deixa-las tão
desordenadas a tal ponto de que, para um observador externo, estas não tenham
diferença nenhuma daquelas praticadas por seitas e igrejas apóstatas.