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domingo, 29 de novembro de 2020

ADVENTO: TEMPO DE PREPARAÇÃO E DE EXPECTATIVA


 Primeiro Domingo do Advento - Ano B (Novembro de 2020 -Novembro de 2021
)

 Leituras bíblicas: Is 64-1-9; Sl 80.1-7; 1Co 1.3-9; Mc 13.24-37 (Lecionário Comum Revisado)

     

         

         Hoje (29/11/2020) inicia-se um novo ano litúrgico, de acordo com o calendário eclesiástico ocidental.  Estamos no Primeiro Domingo do Advento  — o tempo litúrgico que antecede o Natal. No Advento, nos preparamos para comemorar dignamente o Nascimento do Senhor —o Deus que se fez carne para nos redimir (Jo 1.1-14). Também somos exortados e consolados a respeito de sua Segunda Vinda, em glória, para julgar os vivos e os mortos, conforme professamos no Credo Niceno.

ORIGEM HISTÓRICA

         A origem precisa deste tempo litúrgico é incerta. Datam do século IV os primeiros registros da celebração da encarnação e da manifestação do Senhor — que eram realizadas em 25 de Dezembro ou em 06 de Janeiro. A partir daí, há indícios  de diversas formas de preparação para a comemoração, em diferentes locais.  Nas Atas do I Concílio de Saragoça (380 d.C.), há uma prescrição para que ninguém se afaste dos ofícios eclesiásticos, nos vinte  e  um dias que antecediam os batismos coletivos na Epifania (06 de Janeiro)1. Em algumas regiões da atual França, por volta do século V,  era costume observar a Quaresma de S. Martinho, entre a dia do santo homônimo (12 de Novembro) e o dia da Natividade2. Neste período, as pessoas se empenhavam em atos de caridade e gentileza2

         Nos séculos VI e VII, surgem textos, ritos, hinos e sermões específicos para o tema, que passa a ser denominado Adventus Redemptoris ("a vinda do Redentor")3. O papa Gregório Magno (c. 540 - 604), famoso liturgista e orador, produziu rico conteúdo para o período. O  Sacramentário Gelasiano (compilado entre os séculos VII e VIII)prescreve cinco Domingos de Advento. O mesmo ocorria na Espanha. No século XI, o papa Gregório VII reduziu o número de domingos para quatro, como é observado atualmente.

        Na Igreja Ortodoxa não há, oficialmente, um período litúrgico de Advento. Porém, nas semanas anteriores à comemoração da Natividade (06 de Janeiro), são lembrados todos os ancestrais do Senhor, na expectativa messiânica.5 

         Por ocasião da Reforma protestante, o Advento foi mantido nas Igrejas Luteranas. Historicamente, é um dos períodos mais importantes do ano para os alemães, que criaram belíssimas tradições relacionadas ao Ciclo Natalino. Os quatro Domingos do Advento também foram conservados no calendário litúrgico da Igreja Anglicana, sistematizado no Livro de Oração Comum (Book of Common Prayer)6. As tradições de linha reformada (zuingliana e calvinista), no geral, aboliram o calendário litúrgico, inclusive o Advento. No entanto, o movimento de renovação litúrgica (séculos XIX-XX) fez com que igrejas Reformadas continentais, Presbiterianas e Congregacionais voltassem a celebrar o período. Entre os argumentos utilizados, está a necessidade de retomar o significado cristão do Natal, tão deturpado pelas ênfases secularistas e pelo capitalismo reinantes na sociedade ocidental contemporânea.

       Atualmente, no Brasil, o Advento é celebrado principalmente por Católicos, Luteranos e Anglicanos. Algumas igrejas presbiterianas (como a IPIB e a IPU) e Metodistas também possuem material oficial para o período. A Igreja Cristã Nova Vida (que é simultaneamente pentecostal e reformada), adotou a celebração do período, entre outros antigos costumes litúrgicos da tradição cristã, incluindo até mesmo a coroa com as velas.

SIGNIFICADO BÍBLICO-TEOLÓGICO

         O período do Advento, assim como o  da Quaresma, possui tom reflexivo. Tanto o aspecto histórico (em relação ao nascimento de Cristo) quanto o escatológico (em relação à Segunda Vinda) são tratados. As leituras do Antigo Testamento são, em sua maioria, profecias e tipologias sobre o Messias prometido. Os textos do Novo Testamento falam de vigilância, conversão e salvação.

            Relembramos a expectativa do povo de Israel, diante dos hinos litúrgicos e dos textos proféticos, que prediziam a paz, justiça e fartura trazidas pelo Ungido de Deus ("Messias")7Os chamados Salmos Régios (como os de número 2, 45, 72 e 110 na numeração da Bíblia hebraica), descrevem um reino davídico8 ideal, no qual haveria plenitude. As forças do mal, representadas pelos povos inimigos e por figura míticas do caos, seriam subjugadas pelo escolhido de Yahweh. Expectativas e predições semelhantes podem ser encontradas nos textos proféticos, como os livros de Daniel, de Miqueias e de Malaquias. No entanto, é no Livro de Isaías que são dados a nós vislumbres mais completos e complexos a respeito do Messias.

           O Messias já veio, habitou entre nós e consumou o plano de salvação. A sua primeira vinda, foi marcada pela humildade, pelo serviço, pelo sacrifício e pela humilhação voluntária. O pobre berço de palha, a fuga para o Egito, a vida humilde em Nazaré, o julgamento injusto e a amarga morte na cruz garantem o triunfo final do bem sobre o mal. 

         Somos exortados a aguardar a sua segunda vinda. Na profecia registrada em Isaías 62.1-2, o Messias viria para pregar boas-novas, libertação, restauração dos feridos e juízo contra os pecadores. Ao iniciar seu ministério, Jesus anunciou que a profecia estava se cumprindo (Lc 4.16-19). No entanto, omite a última parte da profecia, que se referia à "vingança do nosso Deus". Esta só se concretizará quando ele retornar em glória, para julgar os vivos e os mortos. Por isso, é necessário mantermos vigilância, oração constante e obediência aos preceitos divinos (Mt 24, Mc 13.33; Lc 12.35-40).

          No entanto, para os que estão revestidos da justiça de Cristo (2Co 5.14-19; Gl 3.27), pela graça mediante  a fé (Rm 1.16-17; Ef 2.8), a espera e a vigilância não devem gerar um clima de medo, terror ou dúvida, e sim uma alegria suprema. Aquele que esvaziou-se a si mesmo por nós (Fp 2.6-11), e que perdoa e esquece todos os nossos pecados (Is 43.25), voltará para reinar em plenitude (1Co 15.-26-28)9

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COSTUMES LITÚRGICOS

            A coroa do advento é feita de folhas e ramos, em formato circular. Nela são colocadas  velas, que vão sendo acesas ao longo do Advento. Ao contrário do que muitos pensam, é uma invenção protestante, que surgiu em comunidades e lares na Alemanha e na França, entre os séculos XVIII e XIX. Seu formato indica a ideia de ciclo e de eternidade. Em sua forma mais comum, a Coroa possui quatro velas, sendo que em cada domingo uma delas é acesa. O objetivo é expressar, de maneira simbólica, como a luz resplandeceu, mediante a vinda do Salvador (Lc 1.9).

        Há outros costumes litúrgicos no Advento. As chamadas Antífonas do Ó,sequência de textos litúrgicos entoados entre 17 e 23 de Dezembro, receberão tratamento a parte em postagens posteriores. Os Calendários de Advento (Adventskalender), constituem outra tradição de origem germânica, cujas formas atuais datam do início do século XX. É uma forma de expectativa dinâmica, muito apreciada pelas crianças, que consiste em colar figuras ou abrir pequenas janelas de papel, ao longo dos dias do Advento

Entre os hinos mais populares do Advento, podemos citar:  Veni Emmanuel ("Ó Vem, Emanuel!"), um cantochão de origem medieval, traduzido e adaptado para diversos idiomas; O coral alemão Wie soll ich dich empfangen ("Como hei de receber-te?"), datado do século XVI,  famoso por sua adaptação no Oratório de Natal (J.S. Bach);  o hino métrico"Come, Thou long expected Jesus" ("Vinde, Jesus tão desejado"), escrito pelo reverendo anglicano Charles Wesley (1707-1788), é muito comum em hinários protestantes.

         Os paramentos litúrgicos utilizados são de cor púrpura/roxa. A única exceção é o 3° Domingo (Domingo de Gaudete), no qual a cor rosa pode ser utilizada. No entanto, tal variação é rara na prática das comunidades cristãs.

OREMOS: Desperte o teu poder, Senhor Cristo, e venha. Por tua misericordiosa proteção, desperte-nos  para o perigo ameaçador de nossos pecados, e nos mantenha irrepreensíveis até a chegada de teu novo dia, pois vives e reinas com o Pai e o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.(Adaptado da liturgia da Evangelical Lutheran Church in America)


"Advento é tempo de preparação,
de abrir caminhos para o Deus criança.
É estar disposto a ajudar um irmão
e a uma irmã encher de esperança.
Advento é tempo de avaliação,
de unir caminhos e a acertar estradas.
É tempo certo p'ra pedir perdão
e perdoar, seguindo de mãos dadas.

Advento é tempo de transformação,
mudar caminhos para um mundo novo.
É ver que o amor de Deus é doação,
e a novidade é para todo o povo.
Advento é tempo de decoração,
florir caminhos, aplainar colinas.
Encher de amor e luz o coração
para espalhar nas noites natalinas."

(Letra e música de Edson Ponick)  

 Notas e referências:

1.Concílio local, na região da Hispânia, no qual um certo Prisciliano foi condenado por heresia gnóstica. Pouco tempo depois, ocorreu, pela primeira vez, o que seria uma das práticas mais deploráveis do Cristianismo institucional. Prisciliano foi executado na fogueira, por um "crime contra a fé" (a acusação precisa foi "feitiçaria").O texto latino das Atas, assim como uma tradução espanhola, podem ser encontrados em: http://www.filosofia.org/cod/c0380z1.htm

2.Maiores informações sobre a Quaresma de S. Martinho podem ser encontradas no portal Around the Year, dedicado ao ano litúrgico cristão (em inglês) :  https://aroundtheyear.org/st-martins-lent/

3. Informação extraída do Manual do Culto 2ª Ed. Revista e Ampliada (2011)- Editora Pendão Real. O Manual é utilizado pelos presbiterianos independentes, e constitui um dos melhores manuais litúrgicos protestantes em língua portuguesa.

4.Utilizado, no passado, pela Igreja de Roma. Uma edição deste livro litúrgico, encontrada na Universidade da California, pode ser acessada, em versão digitalizada, no seguinte link. Disponível em:https://archive.org/details/gelasiansacrame00gelagoog/page/n120/mode/2up 

5. Maiores informações no portal ortodoxo Ecclesia . Endereço: https://www.ecclesia.org.br/sinaxe/

6.A primeira edição do Book of Common Prayer foi a de 1549. Várias outras edições e versões foram compiladas desde então, A mais conhecida é a de 1662, utilizada oficialmente, durante séculos, pela igreja-mãe do anglicanismo, a Church of England. 

7. Do termo hebraico ' משיח', (transl. Mashiach), cujo significado é "ungido". O rito de unção com óleo simbolizava a eleição, consagração e capacitação que Deus concedia a um líder (rei, sacerdote ou profeta). Seu equivalente grego é Χριστός (transl. Christos)

8. Relativo a Davi, o segundo rei de Israel (séc. X a.C.). Herói popular, administrador hábil, guerreiro valoroso e servo fiel do Deus hebreu, é o arquétipo do "bom governante" , na tradição hebraica. O rei eterno viria de sua descendência, segundo a promessa divina. O título "Filho de Davi", atribuído a Jesus nos Evangelhos canônicos, expressa o reconhecimento de que Ele era o Messias prometido.

9. É muito triste perceber como existem inúmeros cristãos aterrorizados com o tema. Por não crerem totalmente na graça divina e na cruz de Cristo, vivem atormentados com a expectativa da segunda vinda. Na Baixa Idade Média, era comum temer o iminente Juízo Final. Em diversos setores do protestantismo brasileiro e norte-americano, o medo é em relação ao "arrebatamento secreto" (doutrina antibíblica, pertencente à escatologia dispensacionalista), como é bem representado na série de livros e filmes "Deixados para trás". Para uma correta compreensão bíblica sobre a segunda vinda de Cristo, recomendo o livreto Os tempos do fim: Um estudo sobre escatologia e milenarismo, publicado pela Editora Concórdia.