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quarta-feira, 8 de abril de 2020

Semana Santa: A Unção em Betânia e a Traição por Judas




                (Ano A - Mateus 26.1-14)

                Na Quarta-feira Santa (também chamada de Quarta-feira da Traição) relembramos a unção de Jesus pela mulher contrita, a traição por parte do íntimo amigo Judas Iscariotes, e a perfídia dos "ungidos do Senhor", que planejaram matar o Justo, o Autor da Vida (At 3.15).

                A Tradição católica ocidental realiza hoje o "Ofício de Trevas", rito de origem monástica, em que velas dispostas num candelabro são apagadas durante leituras bíblicas e orações. Muitas Igrejas protestantes possuem o rito de maneira adaptada, que é realizado na Sexta-feira Santa. A Igreja Ortodoxa entoa o belíssimo "Hino de Kassiani", datado do período medieval, no qual se expressa amor e contrição diante de Cristo, como o expressou a mulher que lhe ungiu1

                A mulher,  identificada como Maria de Betânia, derrama sobre Jesus um caríssimo perfume (nardo), que lhe demandou muitas economias. A fé, devoção e o santo quebrantamento da mulher garantiram que esta fosse uma "boa obra". A "Paixão Segundo S. Mateus (BWV 244)", de J.S. Bach, comenta a passagem com a declaração:

"Você, meu amado Salvador,
Enquanto seus discípulos
tolamente discutem
vendo esta piedosa mulher
com unguento o seu corpo
preparar para a sepultura,
permita-me, enquanto isso,
que dos meus olhos um fluxo de lágrimas
verta sobre sua cabeça como uma unção."2
 (tr. de Amancio Cueto Junior)

                A atidude de Judas Iscariotes, um dos Doze, chama a atenção. Sob aparência de piedade, critica o "desperdício" de Maria. Porque não ter dado o dinheiro aos pobres, ao invés de gastá-lo de forma sobeja? No entanto, como registra João, Judas disse aquilo por causa de sua avareza e cobiça (Jo 12.6). Pensava em seus próprios propósitos, e não agia por caridade. Certamente ele saberia usar o dinheiro de forma muito melhor! Tomado pela ganância, humilhado pela "trágica loucura" daquele ato, espelhando-se na perfídia de Aitofel contra o rei Davi (II Sm 15) e, talvez, frustrado com o pacifismo e a "inércia" de seu Mestre, decide trair o Filho de Davi. Várias passagens dos Salmos, nas quais Davi lamenta a traição de seu "íntimo amigo" (Sl 55.12-14; 41.9), são usadas pelos evangelistas e apóstolos com perspectiva messiânica, aplicando-as à Judas.

                Os Guardiães da Fé judaica, os sacerdotes do Senhor dos Exércitos, os doutores e intérpretes da Lei, se reúnem, a fim de pôr um fim num atrevimento do autoproclamado profeta Jesus de Nazaré. Como ousara expulsar do Templo aqueles que lá estavam com a anuência da autoridade religiosa e política constituída, e insinuara que os ministros do culto divino  eram ladrões e salteadores? Isso lembra certos discursos de "telepastores" : "Ah!  Quem são esses 'blogueiros vagabundos', que me criticam em nome do 'Evangelho puro e simples'? Essa gente desqualificada que mal saiu das fraldas, enquanto eu sou pastor há décadas, ungido por uma Igreja séria?".

                Judas junta-se ao plano maligno, vendendo seu Mestre e amigo por trinta moedas (denários) de prata, preço de um escravo, valor bem inferior ao do perfume derramado pela piedosa mulher. Uma genial cena do filme "A Paixão de Cristo"(2004)3, retrata Judas como um ser tão deformado pela sua vileza, que apanha as moedas lançadas ao chão como um cão apanha farelos e ossinhos. O preço da traição havia sido profetizado por Zacarias (Zc 11.12-13), séculos antes.

                A qual dos protagonistas deste dia queremos nos assemelhar? Á mulher que entregou tudo em contrição e amor, reputando por nada o seu dinheiro guardado por tanto tempo, contanto pudesse honrar os sofrimentos do amigo e mestre? Certamente, Maria de Betânia é um exemplo para aqueles que nada possuem, e por isso mesmo possuem tudo. Os quais, como uma vela, se consomem nas chamas da caridade, tornando-se radiantes de luz e paz, ao mesmo tempo que oferecem suas vidas no serviço divino. Ou queremos ser semelhantes àquele que, a exemplo do profano Esaú (Hb 12.16), trocou por nada àquilo que era mais valioso (Jr 2.11)? Certamente, Judas é um exemplo para aqueles que deixam os valores do Evangelho, odiando (I Jo 2.11) e ofendendo seus irmãos (Mt 5.22) pelas migalhas da política secular, estabelecendo alianças em torno de interesses econômicos ou pautas moralistas hipócritas, e em nome delas provocando dissensões e cismas nas Igrejas, cujas doutrinas e princípios lançam na lama!

Que aquele sem o qual nada podemos fazer (Jo 15.5), nos ajude e nos guie pelo caminho estreito!

Referências:

1 "Hymn of St. Kassiani".  Disponível em:  https://www.goarch.org/-/hymn-of-saint-kassiani
              

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