(Ano A –
Evangelho de S. Mateus 21.11-25)
Na Segunda-feira da Semana Santa contemplamos a purificação do Templo e a passagem
profética da figueira estéril. Embora os evangelistas divirjam a respeito da
ordem correta (devemos lembrar que cada um tinha uma ênfase e público inicial
distintos, fazendo prevalecer a mensagem teológica sobre a ordem precisa dos
detalhes cronológicos), sabemos que na Segunda e na Terça-feira ficou
estabelecida de forma dramática a rejeição divina à hipocrisia religiosa e ao culto meramente externo. Mais do que isso: a Antiga Aliança perderia a validade.
O Templo de
Jerusalém era o centro da adoração judaica, a casa de Yahweh, o Senhor (Sl 122);
o estrado de seus pés; (I Cr 28.2) uma casa de oração para todos os povos (Is
56.7).E muito mais o: enquanto as orações litúrgicas, estudos das Escrituras,
cântico de Salmos e circuncisão demeninos eram realizados nas sinagogas,
santuários didáticos de menor importância, somente no Templo poderiam ser
realizados os rituais maiores do Judaísmo, que envolviam sacrifícios animais,
como símbolo de resgate pelos pecados que faziam separação entre os homens e
Deus. Israel servia de sacerdote cósmico entre o Criador e a criação. No Dia da
Expiação, isso era visto de maneira mais terrível e gloriosa (Lv 23.27-32).
No entanto, no
lugar que deveria ser o mais santo e puro da terra, o pecado se infiltrara sob
a forma da ganância e da cobiça. Sob o piedoso disfarce de “facilitar” o
trabalho dos adoradores, e evitar que “dinheiro profano” (moedas contendo a
efígie de César) fosse usado como oferta, sacerdotes e doutores corruptos
transformaram o “Átrio dos Gentios” (parte mais externa do Templo), numa feira
livre, numa “lojinha de Deus”. Qual alma verdadeiramente cristã não percebe
nisso a semelhança com os dias atuais? Sob o pretexto de “ajudar” a fé do povo,
e “santificar” os hábitos e costumes “mundanos”, vende-se de tudo: tijolinhos,
colheres de pedreiro, garrafas de água, barcos de papelão, meias, fronhas de
travesseiro, réplicas da Arca da Aliança. Isso quando não se vende diretamente
a promessa da casa própria pela oferta do valor de “um aluguel”, ou a salvação
da família por míseros R$ 1.000,00. Não é de se surpreender que tais “Ungidos
do Senhor” esbravejem contra as atuais medidas sanitárias, e lancem maldições
(como bruxos) sobre seus críticos. Afinal, “templo é dinheiro”.
Jesus derruba
as mesas dos cambistas, pois não se pode servir a Deus e ao dinheiro (Mt 6.24).
Liberta os animais, prenúncio da inutilidade dos sacrifícios da Lei diante do
perfeito sacrifício dele próprio na cruz (Hb 9.11-12). Expulsa os comerciantes,
um vislumbre da separação entre as ovelhas e os bodes no Juízo Final (Mt
25.32-33).
No entanto,
uma advertência é necessária: a “santa raiva” contra tais abusadores da fé não
deve se transformar em ódio contra esses seres humanos, por quem Cristo também
derramou o seu sangue. Em tempos de epidemia, guerras ou fomes, sempre foi
comum que movimentos proféticos, carismáticos e puristas denunciassem
hierarquias religiosas corruptas. Muitas vezes, o resultado disso foi além do
que deveria. Usando os corruptos como “bodes expiatórios”, seguiram-se
massacres e depredações. Inspirados na santa ira do profeta Elias, que
massacrou os profetas de Baal (I Re 18, num contexto totalmente diferente do
nosso,sob a rígida Lei do Sinai, a união entre estado e religião, entre outros
fatores), muitos movimentos e seitas apocalípticas transformaram em rios de
sangue a revolta contra a opressão, miséria e mentira. Fizeram-se, dessa
maneira, iguais aos abusadores. Que nossa denúncia profética e santa indignação
não se transforme no pecado de Satanás, o grande homicida (Jo 8.44).
Quero concluir
com uma citação de minha minissérie preferida, “Os Pilares da Terra”.
Ambientada na Inglaterra medieval, em meio a crises de sucessão monárquicas,
lutas de ego e de poder, guerras cruéis, injustiça e opressão, possui como uma
das rivalidades principais os interesses do poderoso Bispo-Cardeal Waleran
Bigod, religioso corrupto, cruel, soberbo, megalomaníaco e manipulador, e o
Prior Philip, no geral sincero e honesto, que ama seus paroquianos, mas que não
se furta, em certas ocasiões, de usar pequenas estratégias questionáveis.
Waleran trama a queda de Philip, rebaixado a uma função de serviçal no seu próprio
mosteiro. No entanto, o sagaz e ardiloso bispo percebe que o rival possui
inteligência, zelo e devoção que não podem ser desperdiçados. Oferece-lhe um
tratado: fará dele seu arqui-diácono (acessor principal e representante) e
sucessor, caso Philip lhe obedeça incondicionalmente. Porque não fazer juntos a
“obra de Deus”?. Philip recebe uns dias para pensar, e responde de forma
devastadora:
“- Sua oferta me pegou de surpresa. E o
senhor tinha razão, eu nunca estive tão perdido. Satanás tentou Cristo em um
momento de grande fraqueza, após quarenta dias sem comida. Eu não tenho a força
de Cristo para resistir, Eminência, mas o senhor...o senhor não tem a astúcia
de Satanás. O senhor me ensinou, sabe, a
política pode ser uma faca de dois gumes, mas o compromisso entre o bem e o mal
nunca é possível. O trabalho de Deus não se mistura com poder ou ganância. Sua
estrutura moral está corrompida. As paredes de sua Igreja vão ruir e o telhado
vai cair. E o senhor, e todos aqueles que o veneram serão esmagados. Eu prefiro
viver o resto de meus dias alimentando os porcos do monastério, do que
alimentando sua ambição voraz.”
Assistam a
série, vejam o que acontece. Philip, apesar da crítica profética, não
demonstrará ódio a Waleran numa ocasião dramática.
Que Deus nos ajude. Amém!
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