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quinta-feira, 9 de abril de 2020

Quinta-feira Santa: O sacramento da Eucaristia, o amor e o serviço fraterno


        

                                            (Ano A – Evangelho de S.Mateus 26.17-32)

"Antes da ceia, Jesus aos seus discípulos/ Lavou os pés com grande contentamento/ durante a ceia Jesus anunciou/ com grande gosto o seu novo mandamento." 1. Na Quinta-feira da Paixão, são lembrados o mandamento do amor, o ritual do lava-pés e a instituição do Santo Sacramento da Eucaristia.
                Jesus quis celebrar o "Sêder"(סדר)2, refeição ritual, com os seus discípulos, durante o período litúrgico da Parasceve, preparação para o dia principal da Páscoa (Pessach), quando os cordeiros eram imolados. Enquanto eles agiam como crianças na fé, disputando prêmios e recompensas no Reino dos Céus (Lc 22.24- assim como nós o fazemos até hoje), Jesus decide mostrar que o caminho para baixo é o único caminho para cima. Cingindo uma toalha, realiza a humilhante tarefa de lavar os pés dos Doze, tarefa reservada a escravos (Jo 13.1-17). Afirma que a quem já foi limpo, apenas os pés necessitam ser lavados. Nós, que fomos lavados pelo santo Batismo (Tt 3.4-5; I Pe 3.21; Mc 16.16; Jo 3.5), não precisamos de outros ritos de purificação ou "marcos de conversão". No entanto, que as sujeiras diárias da caminhada na vida terrena sejam sempre lavadas pelo arrependimento sincero diante de Deus (I Jo 2.1). E seguindo a orientação do Senhor, devemos servir e honrar nosso irmão, por amor sincero e profundo (Jo 15.17; I Jo 3), e não mero dever ou “medo do inferno” (I Jo 4.18). Nesta santa comunhão entre o povo santo, perdoamos e somos perdoados (Lc 6.37). O rito de lava-pés é praticado até hoje, nos cultos/missas de Quinta-feira Santa nas igrejas mais litúrgicas e tradicionais. É considerado uma "ordenança", ao lado do batismo e da Ceia, por alguns grupos anabatistas e pentecostais.

                Jesus estabeleceu então um dos três meios de graça para a humanidade: A Palavra, o batismo e o Sacramento do Altar (também conhecido como Ceia do Senhor, Santa Ceia ou Eucaristia). Após tomar o pão, "deu graças". Isto não indica como muitos pensam atualmente, uma oração espontânea, improvisada e simples. Na verdade, Jesus recitou as preces litúrgicas judaicas, de ações de graças ao "Deus do Universo", pela criação, libertação do cativeiro e eleição de Israel. Em tais preces é inspirada a "Grande Oração de Ação de Graças", típica das liturgias católica3, ortodoxa4, luterana5, anglicana6 e de diversas congregações protestantes. O rito seguia "no padrão". Então, de maneira estranha, Jesus considera o pão (até então auxiliar na santa refeição), como o elemento principal na ressignificação do rito à luz do que deveria acontecer:

                "Tomai e comei. Isto é o meu corpo que é partido por vós". Ao menos uma vez por ano, católicos, ortodoxos, coptas, armênios, luteranos, anglicanos, reformados, batistas, metodistas, pentecostais, adventistas, evangelicalistas e diversos outros cristãos ouvem as célebres palavras. É triste o fato de que este santo sacramento, que deveria ser "vínculo de unidade", tenha se tornado motivo de contradição. Diferentes ideias a respeito da natureza da presença de Cristo, de quem pode participar e da liturgia utilizada levaram a intermináveis conflitos a respeito do assunto. Tais questões devem ser tratadas com amor, diálogo e tolerância. Mas não podemos nos abster da teologia bíblica a respeito do assunto. Os luteranos creem e confessam que, ao dizer "Isto é o meu corpo", tais palavras devem ser interpretadas em sentido simples. Jesus não disse: "Isto simboliza o meu corpo" (visão memorialista/zwingliana), nem "Meu espírito estará presente, fazendo lembrar-vos do meu Corpo" (visão reformada/calvinista), tampouco "Isto deixará de ser isto e se transformará no meu Corpo" (visão católica romana/transubstanciação). Evitando racionalizações humanas , especulações frívolas e emocionalismos, cremos, seguindo a Igreja Antiga e os Santos Pais (como Justino7, Irineu8. Inácio9 e Ambrósio10), na presença real, substancial e corporal de Cristo no sacramento (União Sacramental. Luteranos NÃO creem em consubstanciação). Nas palavras de Lutero,  a santa ceia "é o Corpo e o Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, para ser comido e bebido por nós, sob as espécies do pão e do vinho"11. Ele está presente "com, sob e em as espécies". O pão permanece sendo pão. O vinho permanece sendo vinho. No entanto, o corpo e o sangue físicos de Cristo, mediante a proclamação das palavras, tornam-se realmente e objetivamente unidos aos elementos físicos. Isso é um mistério de fé, que devemos humildemente aceitar e crer, sem buscar subterfúgios ou explicações de nossa ínfima mente. No sacramento nos são concedidos também vida e perdão dos pecados11. Da mesma maneira que o amor divino se faz presença física, nosso amor pelos irmãos deve se traduzir em obras concretas.

                Os que objetam que Jesus não poderia estar presente, inteiro, ao mesmo tempo em que distribuía seu corpo para ser comido pelos doze, parecem esquecer que a realidade do corpo físico do Senhor age milagrosamente    pelo fato de estar em União Hipostática (Jo 1.14)12 com a Segunda Pessoa da Trindade, de forma indissolúvel, devido a uma "comunicação de atributos" (communicatio idiomatum) e a onipotência divina, o Corpo físico de Cristo pode perfeitamente partilhar dos atributos de sua divindade, incluindo a onipresença. Nenhum ser ou ente nos céus e na terra jamais partilhou ou partilharás de duas naturezas (humana e divina), substancialmente unidas, de maneira inconfundível e indivisível. Portanto, é impossível qualquer comparação perfeita com as criaturas. Qualquer distorção desta doutrina pode redundar em nestorianismo ou (no outro extremo), monofisismo.

                O fato de todos os discípulos (que mais tarde, excetuando-se João, o abandonariam), incluindo Pedro (que o negaria pouco depois) e até o traidor, Judas, ter recebido o sacramento das mãos do Senhor (pois "já estavam limpos", como lemos a pouco). nos alerta do risco de tentar construir uma Igreja apenas de "puros e regenerados", como apregoavam os donatistas (na Igreja Antiga) ou os anabatistas (na época de Lutero). A tentativa de separação arbitrária, legalista, precisa e perfeita entre o joio e o trigo (Mt 12,24-30) têm levado a um problema gravíssimo: a soberba luciferiana, a tentativa de construir o Reino dos Céus a partir de nossas próprias forças e noções equivocadas.

                Termino citando o hino eucarístico “Deus seja louvado e bendito”, do Dr. Martinho Lutero:

“1-Seja bendito, Deus seja louvado por nos ter alimentado
com sua carne e com seu santo sangue, para o bem no-lo concede.
Kyrie eleison.
Senhor, pelo santo corpo teu, que da virgem Maria nasceu,
por teu sangue, Senhor, livra-nos de toda dor.
Kyrie eleison.

2- Seu santo corpo foi sacrificado, tendo a vida conquistado.
E para celebrar sua memória bem maior não dar podia.
Kyrie eleison.
Teu imenso amor te constrangeu que na cruz verteste o sangue teu.
Nossa culpa pagou, e o favor de Deus granjeou.
Kyrie eleison.


3- Que tua graça, ó Deus, nós obtenhamos,
e no teu caminho andemos; e para que não nos arrependamos, em fraterno amor vivamos.
Kyrie eleison.
Não nos abandone o Espírito, que conceda comedimento,
e que teu povo então viva em santa paz e união.
Kyrie eleison13

Referências:
1. Canto da Paixão do Senhor, disponível em: http://www.hinariodigital.com.br/hdcif/979.pdf
3. Prefácio Comum I, do Cânon Romano. Disponível em: http://www.catolicoorante.com.br/prefacios.html#I
5. Culto - modelo litúrgico. Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil. Disponível em:
6. Book of Common Prayer (1662). Disponível em: http://justus.anglican.org/resources/bcp/1662/HC.pdf
7. JUSTINO DE ROMA. I Apologia. Col. Patrística vl. 3. Ed. Paulus.
8. IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias. Col. Patrística vl. 4. Ed. Paulus.
9. INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos Esmirniotas. Col. Patrística vl. 1- Padres Apostólicos. Ed. Paulus.
10.AMBRÓSIO DE MILÃO. Sobre os Sacramentos. Col. Patrística vl. 5. Ed Paulus.
11. LUTERO, Martinho. Catecismo Menor. Disponível em: https://catechism.cph.org/pt/sacramento-do-altar.html
12. Novo Dicionário de Teologia -Ed. Hagnos

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