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sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Os cristãos devem comemorar o Natal?





Alguns, mesmo cristãos ortodoxos, se opõe a comemoração do Natal. Segundo eles alegam, não sabemos o dia certo em que Cristo nasceu. Além disso, a data 25 de dezembro era um feriado pagão. Certa seita, que usa esse argumento, não proíbe, no entanto, outros hábitos vindos dos pagãos, como o uso de alianças de casamento.

Segundo os estudiosos bíblicos,o próprio Deus se apropriou de festas pagãs, e reformou-as do modo que pudessem ser comemoradas pelo seu povo Israel. Os pagãos comemoravam com ídolos e depravação. Já os israelitas faziam para a glória do Deus verdadeiro. Os pagãos consultavam os seus deuses debaixo de árvores. E Deus assim falava com Abraão (que vivia entre pagãos – Gn 13.18). Os moldes arquitetônicos do Tabernáculo e do Templo, apesar de estabelecidos por  Deus, refletiam tendências dos povos vizinhos da época. Vale lembrar também que o apóstolo Paulo se apropriou do "deus desconhecido" dos ímpios para pregar-lhes (At 17.22-23).

Os cristãos viam que no dia 25 os pagãos comemoravam o seu deus,o sol.Decidiram então que era uma boa oportunidade de comemorar a encarnação do sol da justiça, profetizado por Malaquias (Ml 4.2) .Assim, enquanto os pagãos festejavam as suas vaidades, os cristãos se regozijavam na encarnação do filho de Deus para a salvação dos homens.Com o tempo, a data 25 de dezembro passou a ser lembrada no Ocidente como comemoração do nascimento de Cristo. Os deuses dos romanos viraram peças de museu. Mas o cristianismo triunfou. E assim, comemorando nessa data o nascimento de Cristo, zombamos dos deuses falsos. Eles pereceram  (aliás, suas lendas, pois eles nunca existiram).Mas Cristo permanece. O seu reino é perpétuo (profecia do Salmo 45.6).Proclamamos que o paganismo é vaidade, que os falsos deuses passam, mas a Rocha Eterna permanece. Lembramos que os inimigos de Cristo servirão como escabelo de seus pés(Sl 110).Glória a Deus, que em vez de comemorarmos falsos deuses, comemoramos a encarnação de seu Filho. Glória a Deus, que nos libertou da cegueira e dos ídolos mudos.

Outros apontam que é errado comemorar o nascimento de alguém, já que Herodes e Faraó mataram pessoas no dia de seus nascimentos (aniversário).Ora ,que explicação mais vazia! Herodes e Faraó eram pessoas más, e não matavam somente no dia de seus aniversários. Também devemos lembrar que Faraó não só matou um homem, mas absolveu o outro. Ou seja, nem só coisas más foram feitas. Se os próprios anjos se regozijaram no nascimento de Cristo (Lc 2.14), como pode um cristão não se alegrar da encarnação de Nosso Senhor!?.Aquele dia foi dia de novas de alegria (Lc 2.10).

Mas porque, então, Deus não ordenou que fosse comemorado o nascimento de seu Filho? Ora, no Novo Testamento, os costumes a respeito de festas e liturgias não são citados. Deus deixou-nos a escolha de comemorar ou não. Aquele que faz diferença entre um dia e outro, ara o Senhor o faz. Já o outro, considera todos os dias iguais, e para o Senhor o faz (Rm 4.6). Mas é mais sábio se basear no costume e tradição da Igreja, construídos por santos homens ao longo dos séculos, e apoiados pela prática do povo de Deus, que tantos benefícios concede, que promove o louvor a Deus e a conversão dos homens, do que em nossas visões ignorantes e distorcidas das Escrituras (que são, sim, nossa única regra de fé).

O Advento

A partir do século IV, os cristãos desenvolveram um período de preparação para o Natal chamado de Advento, que em latim significa “vinda”. Além desse significado histórico, de acompanhar a esperança dos patriarcas de Israel pelo Messias prometido e sua encarnação, o período do Advento também é marcado por uma maior concentração na promessa da Segunda Vinda de nosso Senhor. Já no século VI possuímos registros de orações e textos litúrgicos específicos para a celebração dos quatro domingos anteriores ao Natal, chamados de Domingos do Advento. Alguns hinos milenares, como o “Ó Vem Emanuel” e as “Antífonas do Ó” tradicionalmente são cantados no período. Mas, como já foi dito que o Advento também mira a segunda vinda de Jesus, hinos mais populares, que constam nos hinários de igrejas evangélicas, como “Vem outra vez nosso Salvador” e “Vencendo vem  Jesus”, também são muito benvindos nesse período.

“Ó vem, ó vem, Emanuel,
Remir teu povo de Israel,
Que chora em triste exílio aqui,
Clamando súplice por ti.
Exulta! Exulta! Emanuel
Será bem-vindo, ó Israel!”

Sobre a árvore de Natal

Alguns apontam que os cristãos não podem usar árvores de natal, porque essas tem origem pagã. Alguns chegam até mesmo, usando uma interpretação errônea do texto, a dizer que Jeremias 10.3 proíbe-as. No entanto, se analisarmos o contexto, vemos que a passagem se refere a ídolos. E até onde eu saiba, ninguém adora árvores de natal!
A meu ver, é muito confusa a história das árvores de natal. Uns apontam que ela surgiu entre os cristãos da Alemanha na Idade Média. Outros dizem que ela veio do paganismo (mas devemos lembrar, como já foi dito, que o próprio Deus se utilizou de hábitos pagãos). Há até mesmo quem atribua a invenção ao reformador Martinho Lutero.

Podemos atribuir um significado bíblico, teológico e espiritual a árvore de natal. Por ser uma árvore, remete a dois significados principais: as próprias árvores daquela bela noite em Belém, lembrando-nos da cena presenciada pelos pastores; e um significado mais profundo, a criação que cresce e vive sob a misericórdia de Deus, recebendo então os adornos de sua graça (representados pelas bolas, que também podem representar os astros no céu naquela linda noite). A estrela faz referência a profecia do Antigo Testamento de que "uma estrela procederia de Jacó" (Nm 24.17), e também nos lembra o relato do Novo Testamento, da estrela benfazeja que conduziu os magos, pagãos e gentios, ao Salvador prometido, que salvaria do pecado homens de todas as tribos, povos e nações.

“Pinheiro lindo, dás lições
De amor e de constância:
Teus verdes ramos, tua luz,
Nos lembram hoje o bom Jesus
E inspiram sempre o coração
Já desde a tenra infância”

Sobre outros símbolos natalinos

Existem outros símbolos natalinos, dos quais os principais são a coroa do Advento e o presépio. A coroa do Advento nasceu entre os protestantes europeus do século XIX. A guirlanda (coroa de folhas) representa, pelo seu formato, a eternidade. As velas, acesas em cada um dos domingos do Advento, tem cada uma o seu significado. Em um triste episódio protagonizado na Internet, alguns protestantes fanáticos dirigiram os mais severos impropérios contra os responsáveis por uma congregação, ligada a uma respeitada denominação tradicional, por utilizar a coroa em sua liturgia. Entre as acusações feitas, estava a de "idolatria" e "coisa de católico". Ora, aqui eu poderia sobejamente refutá-los, explicando o que vem a ser idolatria, e o que vem a ser o termo "católico" (e como ele pode ser aplicado também aos verdadeiros protestantes), mas não é essa a intenção do artigo. Mal sabem eles que a coroa do advento é uma criação protestante...

O presépio foi inventado por Francisco de Assis, na Itália, no século XIII. Por se tratar de uma representação pictórica, normalmente composta de pequenas estátuas, é concebido como errôneo por algumas igrejas que levam mais ao pé da letra alguns pontos de documentos como o Catecismo de Heildelberg ou os Símbolos de Westminster. Quem lê meus artigos, sabe muito bem o que penso a respeito de imagens sacras e idolatria. Posso resumir: imagens, quando possuem função didática, memorial e artística, podem ser bem usadas para a glória de Deus. O que não devemos fazer é prestar culto a elas. Em outros países, é costume até mesmo dos pentecostais montar presépios!

Várias ou tradições natalinas, como os cânticos, cantatas sacras e representações também contribuem para comemorarmos a data de maneira cristocêntrica.

“Noite de paz, noite de amor;
Tudo dorme, em derredor!
Entre os astros que espargem a luz
Bela, indicando o menino Jesus,
Brilha a estrela da paz,
Brilha a estrela da paz.

Noite de paz, noite de amor;
Ouve o fiel pastor
Coros celestes que cantam a paz,
Que nesta noite sublime nos traz,
O nosso bom Redentor,
O nosso bom Redentor

Noite de paz, noite de amor;
Oh! Que belo resplendor
Paira no rosto do meigo Jesus!
E no presépio do mundo, a luz!
Astro de eterno fulgor,
Astro de eterno fulgor.”

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

07/12 - Ambrósio de Milão

AmbroseOfMilan.jpgHoje celebramos a memória de Ambrósio de Milão, considerado um dos quatro grandes Pais da Igreja latina. Gaulês descendente de gregos, nasceu por volta do ano 334, em Tréveros. Filho de um alto funcionário do governo romano na região, recebeu em Roma uma primorosa educação, estudando gramática, literatura, retórica e direito. Também recebeu os ensinamentos cristãos.

A carreira eclesiástica de Ambrósio iniciou-se de maneira inusitada. Trilhando uma brilhante carreira administrativa no governo romano, Ambrósio chegara a governador da província da Emília e Ligúria. Quando o bispo de Milão (cidade que era sede do governo da província) faleceu, houve uma grande cizânia entre a população sobre quem o sucederia: alguns apoiavam um candidato ortodoxo, outros queriam um candidato ariano. Ambrósio controlou os ânimos de maneira tão eficiente que o povo aclamou-o bispo. Na época, ele ainda era um catecúmeno, ou seja, nem ainda havia sido batizado como cristão! Em alguns dias, recebeu o sacramento, foi ordenado diácono, presbítero e, enfim, bispo.

Apesar da estranha maneira pela qual chegou ao episcopado, Ambrósio foi um bispo exemplar. Excelente pregador, lutou pela reforma do clero, apoiou a virgindade consagrada, combateu heresias e soube pastorear seu rebanho como poucos. O mais famoso de seus convertidos foi Santo Agostinho, a quem Ambrósio também batizou. Ambrósio sabia ser enérgico quando necessário, como podemos vislumbrar em dois episódios de sua vida: opôs-se firmemente à restauração da imagem da deusa pagã Vitória no senado, e conseguiu a vitória (perdão pelo trocadilho). Em outra ocasião, obrigou o imperador Teodósio a se humilhar publicamente por seu pecado (Teodósio matara muitos habitantes de uma cidade, após seu enviado ter sido assassinado nesta cidade).

Ambrósio de Milão faleceu em 397, após fecundo e excelente ministério.Influenciou seu convertido Agostinho, que o citou muitas vezes em suas obras. Legou-nos muitos escritos, como os tratados Sobre os Sacramentos e Sobre a Penitência.Reformou a liturgia na diocese de Milão, e escreveu muitos hinos congregacionais. O chamado canto ambrosiano desenvolveu-se graças a sua influência.
Alguns extratos dos escritos de Ambrósio:

" Crê que também a carne ressuscitará. Com efeito, por que foi necessário que Cristo assumisse a carne? Por que foi necessário que Cristo experimentasse a morte, recebesse a sepultura e ressurgisse, senão em vista da tua ressurreição? "Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé". Todavia, porque ele ressuscitou, a nossa fé é firme". (Explicação do Símbolo)

"Volta comigo agora ao meu assunto. De fato,é grande e venerável que o maná tenha chovido do céu para os judeus. Mas procura entender. O que é maior: o maná do céu ou o Corpo de Cristo? Sem dúvida, o corpo de Cristo, que é o criador do céu. Com efeito, aquele que comeu o maná, morreu; quem comer este corpo terá a remissão dos pecados e "não morrerá para sempre". (Sobre os Sacramentos)

"Vós vos aproximastes do altar, recebestes a graça de Cristo, obtivestes os sacramentos celestes. A Igreja se alegra com a redenção de muitos e se rejubila com exultação espiritual por ter junto a si uma família vestida de branco. Encontras isso no Cântico dos cânticos. Ela, que se alegrou, invoca Cristo, tendo preparado um banquete que parece digno de festim celeste. Por isso, diz: "Que meu irmão desça ao seu jardim e colha os frutos de suas árvores". O que são essas árvores frutíferas? Em Adão, tu te transformaste em lenho seco, mas agora, pela graça de Cristo, estais cheios de árvores frutíferas". (Sobre os Sacramentos)

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O Triunfo da Cruz





 “Stat crux dum volvitur orbis” - A cruz permanece, enquanto o mundo percorre sua órbita. O lema da Ordem dos Cartuxos é um excelente começo para o meu artigo. Hoje, várias tradições cristãs comemoram a "exaltação da cruz".

Quem, naquela sexta-feira escura, pensaria que aquela aparente derrota se transformaria na mais retumbante vitória? O profeta Jesus havia sido preso como um bandido. Julgado pelos líderes da nação, fora condenado. Apanhara como um criminoso, e fora forçado a carregar a cruz pelas ruas de Jerusalém, servindo de espetáculo e zombaria para os seus inimigos. Recebera a morte mais dolorosa e humilhante.

Os discípulos, cheios de temor, envergonhados com a estupenda derrota (era assim que pensavam), correram covardemente, e se esconderam como animais perseguidos pelo caçador. Tudo estava acabado. Jesus morrera, e não trouxera o reino a Israel. O que os discípulos fariam? Nada mais restava. Chorariam a decepção, e retornariam a suas funções. Quem sabe, um dia, Deus levantaria outro profeta, e daí as esperanças renasceriam...

Mas nós conhecemos o fim da História. Ao terceiro dia, Jesus ressurgiu. Ele era, de fato, o Messias prometido, e vencera a morte. Tomé, que outrora duvidara, fez a proclamação suprema: Ele era Senhor e Deus. Os discípulos então tiveram o véu retirado de suas vistas, e entenderam aquilo que realmente acontecera na cruz. Jesus Cristo derrotou o diabo, expiou os nossos pecados e nos livrou do julgo tirano do mal. A cruz de horror, a cruz da vergonha, tornara-se a cruz preciosa, a cruz gloriosa. O amargo se tornou doce. A derrota tornou-se vitória. Eis agora, que grande tarefa lhes foi dada: deveriam sair pelo mundo, sob o estandarte da cruz, proclamando a mensagem do Cristo vencedor.

A cruz se tornaria um carro de triunfo. Percorrendo o mundo, de Jerusalém para os confins da terra, conquistaria os corações dos homens, subverteria a ordem do universo, derrubaria os soberbos e levantaria os humilhados. O Império Romano prostrar-se-ia diante da cruz. Os seus imperadores morreriam um a um, e embora proclamados divinos por seus sucessores, logo seriam esquecidos, um a um. A cruz vencera. O Evangelho se espalharia pelo mundo. Homens e mulheres, de todas as nações, tribos, línguas e classes sociais se prostrariam diante da cruz preciosa, e a História da humanidade seria transformada. O Reino chegara. Não um reino de promessas terrenas e temporárias, mas um Reino eterno, um Reino conquistador, que prostraria os corações dos pecadores, mediante a obra suprema de Deus Espírito Santo, convencendo os eleitos de Deus a abandonarem os cuidados mundanos e a vida pecaminosa. Cabe agora, a todo aquele que se achega ao Salvador, tomar a sua cruz, oferecendo-se no altar de Deus, e viver a nova vida, pautada pela fé, pela esperança e pelo amor.

Contemplem, cristãos, o lenho do Salvador! Que vitórias nos traz tal contemplação! A vitória foi consumada, nada impedirá o avanço do reino. Olhem, que estímulo para cada um de vocês! Vendo a cruz mais pesada que o Senhor carregou, a de vocês torna-se leve e doce. Eis a cruz nossa de cada dia, que é, ao mesmo tempo, uma provação contínua e um julgo suave. Coragem, irmãos, um dia a trocarão pela coroa da vitória.

Tudo passa, a mensagem da cruz nunca muda. Cristo Deus chama a todos os homens: "Venham, prostrem-se diante de minha cruz, e recebam uma amarga e doce cruz que vos darei. Eu vos garanto a proteção, o consolo e a vitória.".

A cruz triunfou. Ela é o remédio da humanidade, o ponto culminante da História, a glória dos anjos, o esplendor do Universo. Nela foi julgado e condenado o Príncipe deste mundo. Nela foram julgados e inocentados os cristãos. Ela é a escada santa, incomparavelmente mais gloriosa do que a vista por Jacó, que une o homem a Deus. Ela é o trono de onde o Cristo reina. Ela é a garantia da vitória do bem. A cruz triunfou. Cristo vence. Aleluia!

"Brilhando sobre o mundo,
Que vive sem tua luz
Tu és um sol fecundo
De amor e de paz, ó cruz!

À sombra dos teus braços
A Igreja viverá
Por ti no eterno abraço
O Pai nos acolherá."


quinta-feira, 13 de setembro de 2018

13/09 - Memória de João Crisóstomo


Johnchrysostom.jpg

Hoje, celebramos a memória de João Crisóstomo. Quem foi esse famoso Pai da Igreja, considerado um dos mais eminentes cristãos da História? Nascido por volta de 347 d.C. em Antioquia, foi criado em um ambiente da classe alta. Aos 18 anos, foi batizado. Depois de três anos, concluíndo sua educação em retórica, tornou-se pregador. Também estudou direito Fortemente influenciado pelos ideais monasticos, viveu em severo retiro por um tempo, mas foi ordenado sacerdote em 386. Por fim, em 397, tornou-se patriarca (arcebispo) de Constantinopla, o segundo cargo mais alto da Igreja Cristã daquele tempo.

Adquiriu o epíteto de "Crisóstomo" (boca de ouro, em grego), devido a sua grande habilidade como pregador. Desconfiando fortemente do valor da filosofia pagã para o real conhecimento e piedade, João baseava-se na Bíblia, e de modo geral valorizava o lado moral, devocional e prático da fé cristã, envolvendo-se em disputas teológicas apenas quando estritamente necessário. Em sua época, a grande metrópole de Constantinopla, sede do Império Romano do Oriente, era marcada por contrastes e injustiças sociais. Crisóstomo denunciava os luxos e excessos da elite, que aproveitava a vida enquanto mendigos morriam de fome nas portas das catedrais. Condenava também o mundanismo. Alertando fortemente seus ouvintes sobre o perigo da condenação eterna, reconhecia que a força para resistir ao pecado provinha exclusivamente da graça de Deus, restando ao homem desejá-lo e buscá-lo com o livre-arbítrio. Foi também um grande pregador das virtudes do amor e humildade, administrando obras sociais. Por "não ter papas na língua", acabou por se envolver em conflitos com a imperatriz Eudoxia, que conseguiu a deposição e o exílio dele duas vezes. Em 407, João faleceu no exílio. Deixou-nos um exemplo de perserverança, fé, aplicação prática da mensagem bíblica e descontentamento diante da opressão realizada pelos poderosos sobre os mais humildes.

Entre o legado teológico de João Crisóstomos, temos suas homílias sobre as epístolas de Paulo, cuja edição em português possui cerca de três mil páginas! Apesar da liturgia até hoje usada pela Igreja Ortodoxa levar o seu nome, provavelmente não é da lavra de Crisóstomo, mas sim uma composição mista que se desenvolveu entre os séculos IV-X.  Considerado um dos maiores teólogos da Igreja grega, também foi reconhecido como doutor da Igreja Católica Romana. Uma de suas preces tornou-se muito conhecida no mundo anglófono ao ser inserida no "Livro de Oração Comum" da Igreja Anglicana. O pregador e avivalista inglês Charles Spurgeon foi um grande admirador de Crisóstomo. Atualmente, calendários litúrgicos de todas as tradições da cristandade se lembram do grande pregador no dia 13 de setembro.

Vejamos dois textos de Crisóstomo:

"Vê como logo no início rejeita a arrogância, e projeta para longe toda a estima própria deles, declarando-se chamado. Com efeito, não inventei o que ensinei, nem o apreendi por minha própria sabedoria, mas quando perseguia a Igreja e a devastava, fui chamado. Nesta atuação, tudo provém de quem chama, nada do que é chamado, por assim dizer, senão obedecer." (Comentário à epístola de S. Paulo aos Coríntios).

"Deus todo-poderoso, que nos deste a graça de unir-nos neste momento, para te dirigirmos em concordância as nossas súplicas, e que por teu muito amado Filho nos prometeste que onde estivessem dois ou três reunidos em teu Nome, tuestarias ali no meio deles; atende agora, ó Senhor, os nossos desejos e petições como melhor nos convier; e concede-nos neste mundo o conhecimento da tua verdade e no vindouro a vida eterna. Amém." (Oração litúrgica).

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

A Lectio divina me fez encontrar a história da igreja

De como a espiritualidade clássica me fez reencontrar os Santos que perdemos


Desenho. São Fidelis de Sigmarigen e São José da Leonessa. De: Giovanni Battista Tiepolo (1696–1770)
Há mais de uma forma de agradecer. Uma delas é reconhecer. Podemos fazer isso reconhecendo a contribuição que pessoas específicas tiveram em nossa trajetória. Nesse texto, quero reconhecer a contribuição de pessoas de quem fui discípulo. De antemão, é preciso fazer aquele clássico esclarecimento – que no meio acadêmico é típico da relação entre “orientador” e “orientando,” que reflete, na realidade, um traço secularizado da antiga relação entre discípulos e mestres na Igreja: se eles são responsáveis pelo meu sucesso, certamente não podem ser responsabilizados pelas minhas falhas…

Entrei no Grão de Mostarda indicado pela minha atuação na Rede FALE e na ABUB. Era uma caminhada de três anos de discipulado: durante aquele tempo, haveria encontros semestrais, retiros de silêncio e espiritualidade. Eu havia me tornado uma liderança na juventude evangélica, circulava pelo universo do diálogo inter-religioso, e mantinha diálogos institucionais com a Igreja Católica e outras denominações Ortodoxas. No entanto, se eu compreendia a importância do diálogo ecumênico para a articulação de políticas públicas e de mobilização popular, ele parava por aí. E o conflito era aberto: muitas das práticas desses grupos se distanciavam bastante da espiritualidade batista, da ética conservadora e individual, e da teologia reformada brasileira e norte-americana, na qual cresci desde a minha conversão, aos 11 anos de idade.

Frequentar mosteiros beneditinos? Participar de “meditação” cristã? Ler livros escritos por andarilhos desempregados ou místicos medievais? Isso tudo parecia, antes do discipulado, em conflito aberto com minha espiritualidade batista, reformada, e sua ética protestante. Mas foi aí que conheci os quarto pastores que viriam a impactar minha vida nos próximos anos: Osmar Ludovico, Valdir Steuernagel, Ricardo Barbosa e Ricardo Gondim. O que eles propunham era ir além de “ler a bíblia” como prática de espiritualidade protestante: era necessário “deixar a Bíblia nos ler.” Esse salto de fé, que só foi possível graças aos períodos intensos de contrição, meditação, acolhimento e amizade que recebi deles e de meus irmãos e irmãs naqueles dias, viria a marcar pra sempre a maneira como enxergo a história da igreja e a espiritualidade cristã.

Passei a frequentar mosteiros beneditinos. Em alguns era muito bem recebido, convidado a participar dos ofícios e ficar conversando depois, como um “irmão de outra denominação”. Questionava, então, quando passava a frente de um dos raros templos protestantes de arquitetura cristã, e suas portas estavam fechadas: não havia lugar naquela casa para uma oração silenciosa, ao meio dia, no centro da cidade. Onde foi que nos perdemos, onde foi que desaprendemos a orar sem necessariamente falar – ou mesmo gritar?

Eu estaria mentindo se dissesse que essa espiritualidade me fez abandonar minha a teologia reformada, ou minha fé evangélica. Ao contrário: ela preencheu um vazio de mais de dois mil anos de história que havia em mim. Se jamais abri mão da crítica reformada àqueles movimentos que utilizaram da fé para enriquecer, como muitos fazem ainda hoje; por outro lado, aprendi a aprender com os Santos, a história e as narrativas de fé de muito tempo atrás. Se já conhecia aquela velha piada atribuída a Lutero, de que “dos doze apóstolos, quatorze estão enterrados na Espanha”; aprendi também uma piada dos católicos sobre nós, protestantes, para quem “o único santo autorizado é Santo Agostinho”.

Já se vão quase dez anos dessa experiência de discipulado. Ela teve uma profunda influencia na minha espiritualidade, na minha vida pessoal – me casei durante esse período – e na minha profissão. Foi a partir de debates que tive ali sobre “justiça”, que retomei leituras que tinha feito de maneira fluida da faculdade de Direito, e redescobri o Jusnaturalismo em Santo Agostinho e em Santo Tomás de Aquino, com suas convicções e contradições teológicas e jurídicas.

São Fidelis de Sigmarigen e São José da Leonessa. De: Giovanni Battista Tiepolo (1696–1770)

Na espiritualidade, além da lectio divina, procuro aprender diariamente com as tradições perdidas pelos protestantes. Todo racha deixa cicatrizes, mas também é preciso curá-las. Para curar as minhas, eu faço uso de alguns devocionários católicos romanos, para escândalo de muitos dos meus irmãos de fé (um aplicativo da igreja católica dos EUA para tablet). O que mais me chama atenção e edifica nele, é a possibilidade de aprender com a vida, o exemplo e a história da igreja.

O ex-Arcebispo da Cantuária, Rowan Williams, nos ensina que a atitude mais marcante dos cristãos é a gratidão: uma gratidão que desafia a realidade que nos cerca, e nos faz cantar e louvar – “aleluia!”. A gratidão cristã é a que se expressa mesmo diante das maiores adversidades, que nos faz abandonar a ilusão do olhar imediato para concentrar nossa Esperança no porvir. É, portanto, diante da aspereza dos tempos atuais, que expresso minha gratidão pelos meus mestres citados, e pela descoberta que me ofereceram: a espiritualidade clássica e medieval na história da igreja, para além dos meus arraias denominacionais. Segue um exemplo disso, e do caminho que essa jornada me fez percorrer até aqui.

No último dia 4 de fevereiro, fiz minha devocional em cima da vida de São José de Leonessa (também chamado de Eufranio Dessiderio), que compartilho agora:

Desde criança, Eufranio se sentia vocacionado, chamado por Deus. Terceiro filho de família de 8, havia sido prometido para casamento e ascensão social. Quando adolescente, no entanto, viu um grupo de monges Capuchinhos e quis se juntar ao grupo, aos 18 anos. Conta-se que certa vez pregou para um grupo de 50 bandidos que assaltavam caravanas na estrada. Todos se converteram e passaram a frequentar seus sermões. Foi missionário em Constantinopla, na Turquia, onde pastoreou mais de 4 mil escravos degredados em navios. Com frequência, os escravos desmaiavam de tanto remar, e ele se oferecia para substituí-los no remo – o que nem sempre era permitido pelos senhores dos escravos. Ele trabalhou em prisões, ministrando aos presidiários doentes durante uma epidemia. Certa vez se aproximou do Sultão, pedindo aprovação de um decreto que garantisse liberdade religiosa; acabou preso e condenado a morte por invasão de propriedade real. Foi pendurado por ganchos sobre uma fogueira por três dias, mas foi liberto (segundo a lenda, por anjos), e retornou a Itália em 1589. Terminou sua vida pregando em pequenas vilas, para os pobres, presos e doentes. Fundou hospitais, abrigos, e distribuía comida. Com crucifixo em mãos, entrava em brigas de rua para separá-las, orando, rezando e ensinando a paz.

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*Marcus Vinicius Matos é Doutorando em Direito no Birkbeck College (Universidade de Londres, Inglaterra), Professor de Direito Constitucional e Teoria de Direito. É membro da coordenação nacional da Rede Fale e foi “International Partner” da igreja All Souls, em Londres, onde participou da liderança do ministério com estudantes internacionais. Está em período de mudança de volta para o Brasil, residindo em Maringá, no Paraná. É casado com Priscila Vieira e pai de Aurora. Twitter: @mvdematos.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

POR QUE ABANDONEI A ESCATOLOGIA DA NOVELA 'APOCALIPSE'



Marcelo Lemos*

'Apocalipse', novela da Record TV (2018), não faz o mesmo sucesso que 'Dez Mandamentos' (Record TV, 2015). Ainda assim, o capítulo que retratou a teoria do arrebatamento secreto rendeu bons números no IBOPE. Mas, por que digo teoria do arrebatamento secreto? Porque, ao contrário do que boa parte do público possa acreditar, o arrebatamento secreto não é uma doutrina histórica da Igreja, tendo surgido no início do Século XX, ou seja, há pouco menos de 200 anos. Existe uma pretensão de datação mais antiga com base em duas alegações de antiguidade (BRAY, 1995; JEFFREY, 1995; apud MACPHERSON)1, mas não passa disso, uma tentativa de dar à teoria uma autoridade histórica até agora desconhecida.

Entretanto, como essa é uma teoria é extremamente popular, muitos sequer imaginam que a fé histórica da Igreja jamais falou de um arrebatamento secreto. Há uma reação imediata quando experimento comentar, com alguns familiares e amigos, a teoria por trás da novela ‘Apocalipse’. “Todas as Igrejas ensinam isso”. Ou, “sempre acreditei dessa forma, porque é exatamente isso que a Bíblia diz”. E é bem possível que a maioria das igrejas evangélicas a ensinem, mas não é verdade que todas façam isso. Também precisamos questionar se é verdade que a Bíblia lhe dá algum suporte.

Vamos olhar para o que ensina a teoria do arrebatamento secreto. Em termos práticos, essa teoria diz que Jesus Cristo virá mais duas vezes ao mundo. Hunt, renomado defensor do arrebatamento secreto, afirma isso textualmente em um artigo publicado no site da revista Chamada da Meia Noite. Ele afirma que, primeiro, Jesus irá voltar sem aviso, antes da Grande Tribulação, o que pegará a maior parte das pessoas de surpresa. Porém, o autor defende que esta não será a única vinda, pois “as Escrituras ensinam outra vinda de Cristo”, após a Grande Tribulação, “quando todos os sinais já estiverem sido cumpridos e todos souberem que Ele está voltado”. Sem rodeios, o autor declara que é impossível escapar “do fato de que duas vindasde Cristo ainda se darão no futuro: [...] as duas não podem ser o mesmo evento” (CHAMADA, 2012, grifos nossos)2.

Apesar das declarações de Hunt, geralmente um defensor do arrebatamento secreto não costuma falar abertamente uma Segunda e uma Terceira Vinda. Sua literatura irá usar apenas a expressão Segunda Vinda, por mais que isso signifique uma contradição interna na teoria. E, como veremos, o ensino sobre duas vindas de Cristo no futuro não pode ser encontrado nas Escrituras. Para resolver esse problema, a maioria dos seus defensores argumentam que, de fato, haverá somente uma Segunda Vinda, porém, dividida em duas fases. Essa explicação, que difere das afirmações de Hunt, pode ser encontrada na Teologia Sistemática de Thomas Paul Simmons, publicado no site Palavra Prudente. No capítulo intitulado ‘As Duas Fases da Vinda de Cristo’, autor não apenas defende uma Segunda Vinda em duas fases, como também admite que a Bíblia ensina apenas uma vinda futura, ao mesmo tempo que desdenha da óbvia contradição que isso produz em sua teoria escatológica.

Nossos oponentes escarnecem da ideia de um período de tempo entre as duas fases da vinda de Cristo. Dizem que ensinamos que haverá duas vindas em vez de uma. Podem chama-la o que quiserem. O Novo Testamento fala só de uma vinda, mas claramente revela que essa uma vinda consistirá de duas fases, separadas por um período de tempo. Preferimos crer o que ele ensina, desatendendo as perversões dele (PALAVRA PRUDENTE, acesso em 8 mai. 2018, grifos nossos)3.

A conclusão é que a teoria do arrebatamento secreto implica dizer que haverá duas vindas de Cristo. Como já vimos, tal conclusão é apontada também por alguns de seus próprios teóricos (CHAMADA, 2012), não sendo, como sugere Simmons, acusação de oponentes escarnecedores. Outro renomado teórico dessa interpretação chega a falar em uma “tríplice divisão natural” (DA SILVA, 1988, pg. 12, grifos nossos)4 da Segunda Vinda, uma para a Igreja, no Arrebatamento, outra para Israel, no término da Grande Tribulação, e uma terceira, contra Gogue e Magogue, no término do Milênio. Uma coisa é certa: compreender a teoria é muito trabalhoso, por mais que afirmem que ela seria claramente ensinada nas Escrituras. Seja como for, continuaremos nossa análise perguntando: e o que acontecerá nas eufemisticamente chamadas5 duas fases da “Segunda Vinda”?

Segundo a teoria do arrebatamento secreto, na primeira Segunda Vinda, Jesus não será visto pelo mundo, mas apenas pelos cristãos. Daí ser dito que ele será secreto,pois retirará do mundo os que receberam o novo nascimento, mas deixará para trás os incrédulos e os falsos crentes [PENTECOST, 2006]6. Somente a Igreja, portanto, ouvirá o som da trombeta enquanto é levada para encontrar com Jesus nas nuvens do céu. Livros, filmes, pregações e hinos baseados nessa ideia falam de aviões desgovernados, porque o piloto foi arrebatado, ou de pais, filhos e mães que, de repente, desaparecem do mundo. Foi justamente essa cena que concedeu à “Apocalipse” (Record TV, 2018), um momentâneo sucesso de audiência. Milhões de pessoas acreditam na teoria, ou pelo menos, a aceitam sem maiores questionamentos. Já na segunda Segunda Vinda, a teoria diz que Jesus voltará para colocar fim ao Reino do Anticristo, encerrando também a Grande Tribulação (que acreditam irá durará sete anos). 

O Novo Testamento, como admite até mesmo autores dessa escola (PALAVRA PRUDENTE, 2018), fala apenas de uma Segunda Vinda. “Da mesma forma, como o homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso enfrentar o Juízo, assim também Cristo foi oferecido em sacrifício uma única vez, para tirar os pecados de muitos; e aparecerá segunda vez, não para tirar o pecado, mas para trazer salvação aos que o aguardam” (Hb 9:27,28, NVI, grifos nossos). Observe a ênfase do texto na singularidade de cada um dos eventos citados. Os homens estão destinados a morrerem uma única vez. Assim como Cristo foi sacrificado uma única vez. E voltará, pela segunda vez, para o seu povo. A primeira vinda corporal de Cristo foi na Encarnação7, por isso sua vinda futura é chamada segunda. Em nenhum lugar a Bíblia fala de uma terceira vinda. Portanto, falar que acontecerão duas vindas futuras de Cristo (CHAMADA, 2012), ou que Jesus voltará a prestação, em duas fases (PALAVRA PRUDENTE, 2018), não resiste ao crivo das Escrituras.

É verdade que a Igreja encontrará o Senhor nos ares. “Depois disso, os que estivermos vivos seremos arrebatados juntamente com ele nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor para sempre” (I Tes 4:17, NVI). Este evento será instantâneo, numa fração de segundo, como descreve o mesmo apóstolo S. Paulo em I Cor. 15: 51,52: “Eis que eu lhes digo um mistério: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados” (NVI). Mas em nenhum momento se diz que qualquer dessas coisas acontecerá secretamente.

De fato, a Segunda Vinda de Jesus será não apenas visível, mas estrondosa, “ao som da última trombeta, pois a trombeta soará” (I Cor 15:51,52). Essa trombeta também é citada em Tessalonicenses: “Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus” (I Tes 4:16, ACF 95). Alguns podem alegar que apenas os cristãos ouvirão a trombeta de Deus, mas quem diz isso são os teólogos dessa escola, não a Bíblia. Observe que apóstolo diz que a trombeta que anuncia tais coisas será a “última trombeta”. Buscando outras passagens das Escrituras encontramos que todas as nações do mundo presenciarão o toque dessa trombeta, e não que a Igreja secretamente a ouvirá.
  
Eis aqui vos digo um mistério: Nem todos dormiremos; mas todos seremos transformados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados (I Coríntios 15:51-52, ACF 95, grifos nossos).

E tocou o sétimo anjo a sua trombeta, e houve no céu grandes vozes, que diziam: Os reinos do mundo vieram a ser de Nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre. E os vinte e quatro anciãos, que estão assentados em seus tronos diante de Deus prostraram-se sobre os seus rostos e adoraram a Deus, dizendo: Graças te damos, Senhor Deus Todo-Poderoso, que és, e que eras, e que hás de vir, que tomaste o teu grande poder, e reinaste. E iraram-se as nações, e veio a tua ira, e o tempo dos mortos, para que sejam julgados, e o tempo de dares o galardão aos profetas, teus servos, e aos santos, e aos que temem o teu nome, a pequenos e a grandes, e o tempo de destruíres os que destroem a terra (Apocalipse 11:15-18, ACF 95, grifos nossos)


Também as mudanças operadas no cosmos por ocasião da Segunda Vinda desmentem a ideia de que haverá um arrebatamento secreto,
  
Mas o Dia do Senhor virá como o ladrão de noite, no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra e as obras que nela há se queimarão. Havendo, pois, de perecer todas estas coisas, que pessoas vos convém ser em santo trato e piedade, aguardando e apressando-se para a vinda do Dia do Senhor, em que os céus, em fogo, se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão? Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça (I Pe 3: 10-13, ACF 95).

 A teoria é, no entanto, muito engenhosa e impressiona quem procura conhecê-la lendo seus manuais teológicos e ficções, o que pode explicar sua popularidade 8. Por muitos anos acreditei, preguei e ensinei a teoria do Arrebatamento Secreto sem a menor hesitação. Suas ficções são repletas de ação e suspense, e seus manuais teológicos enfileiram dezenas de referências. Acontece que, geralmente as referências bíblicas são isoladas e sem o trabalho de explica-las expositivamente. A maioria dos autores parece esperar que o leitor simplesmente confie que os textos citados realmente confirmem a teoria (veja nota9). Mas, por que as pessoas são convencidas? Talvez por algum tipo de apelo a autoridade, já que é preciso dedicar muito tempo e esforço apenas para compreender a lógica desse sistema interpretativo. Nestes casos, as pessoas tendem a achar mais prático e seguro confiar nos especialistas. Até porque, o sistema é tão confuso e complexo, que a maioria terá que consultar os manuais especializados de qualquer maneira. Então, para facilitar a vida daqueles que não possuem grande treinamento em teologia, algumas bíblias e manuais incluem infográficos detalhados explicando a complicada cronologia escatológica. O cenário perfeito.

Quando abandonei a teoria do arrebatamento secreto, tinha resolvido dedicar várias semanas ensinando sobre ela numa congregação pentecostal que pastoreava. Mandei imprimir cópias de uma apostila que havia escrito sobre o tema, e comparecia as aulas munido de dezenas de versículos, e de um colorido infográfico chamado ‘O Plano Divino Através dos Séculos’. Se algum aluno não conseguisse entender a teoria apenas com as leituras dos versículos, geralmente entendia, ou fingia entender, quando olhava para a cronologia ilustrada nas cores e ilustrações do infográfico. Geralmente funcionava muito bem. Menos com a irmã Marta. Numa de minhas palestras sobre o arrebatamento secreto, Marta foi a escolhida para ler algum versículo, que prontamente eu ia explicando.

- “Pastor”, ela pediu a palavra: “eu também acredito nisso, mas, honestamente?  Os versículos que estamos lendo não diz nada sobre ser secreto!”. Usei os argumentos canônicos da teoria, e ainda assim ela insistiu: “Verdade, pastor, também aprendi assim, e assim creio. Mas eu pensei que pelo menos um texto diria que é secreto. Me sinto confusa e frustrada por não entender”.

Igualmente frustrado, suspendi as aulas por algum tempo. Prometi aos alunos que estudaríamos outros assuntos, até que eu pudesse melhorar a qualidade do material. Estava envergonhado, mas achei melhor admitir que precisava rever as coisas e retomar o assunto com respostas mais apropriadas. Como a irmã Marta, descobri que o arrebatamento secreto que eu havia ensinado por tanto tempo, existia apenas nos manuais escatológicos de Dallas10, e no belo infográfico que eu mandara emoldurar. Quando retomei o assunto uns seis meses mais tarde, havia abandonado o Dispensacionalismo e suas estranhas teorias sobre a Segunda Vinda. Curiosamente, a irmã Marta preferiu continuar defendendo a teoria, mesmo sem conseguir prová-la.

Marcelo Lemos, presbítero na Free Church of England (Igreja Anglicana Reformada do Brasil). Editor do blog ‘Olhar Anglicano’, e da revista ‘Báculo’ Também escreve para os blogues ‘Cristandade em Debate’ e ‘O Barco’.
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Bibliografia:

MacPherson escreveu no artigo ‘Deceiving and Being Deceiving’, que os pré-tribulacionistas pretendem provar a antiguidade de sua interpretação recorrendo aos escritos do Rev. Morgan Edwards, de 1788, e também aos escritos medievais de Pseudo-Ephraem, 1000 anos antes. Nessa tentativa, explica o autor, “não apenas encobrem e distorcem” o que já se publicou sobre os dois autores, mas “também ocultaram e perverteram as próprias palavras” que os dois escreveram (Preterist Archive, consultado 12 abr. 2018, tradução nossa).

2 A revista Chamada da Meia Noite é uma das publicações mais populares em defesa do Dispensacionalismo e da teoria do Arrebatamento Secreto no Brasil. A citação foi extraída do artigo ‘Distinção Entre o Arrebatamento e a Segunda Vinda’, de autoria de David Hunt, publicado originalmente pela Revista em 2012, e reproduzida no site (CHAMADA, acesso em 09 mai. 2018).

3 
O Palavra Prudente é um tradicional site de linha batista fundamentalista, criado pelo missionário norte-americano Calvin Gardner, falecido em 2016.

4 DA SILVA. Pedro Severino; Escatologia: Doutrina das últimas coisas. 1988. CPAD.

5 Eufemismo é quando uma palavra, locução ou acepção mais agradável é utilizada numa tentativa de suavizar ou minimizar o peso conotador de outra palavra, locução ou acepção considerada menos agradável (GOOGLE, Dicionário, acesso 9 mai. 2018). Mas, ainda que suavize a linguagem, a fim de causar impacto menor, não altera o conteúdo da afirmação. Daí a o termo ser usado como sinônimo de “abrandamento, adoçamento, atenuação, comedimento, mitigação, moderação e suavização” (NORMA CULTA, acesso 9 mai. 2018).

6 PENTECOST, J. Dwigth. Manual de Escatologia: Uma análise detalhada dos eventos futuros. 2006. Editora Vida.

7 “Esta é uma palavra fiel e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (I Tim. 1:15, ARC 1995).

8 ‘Deixados Para Trás’ é um bom exemplo: a série de livros vendeu, só nos Estados Unidos, 70 milhões de exemplares, se manteve por 300 semanas na lista de best-sellers do ‘New York’, e ganhou uma versão para os cinemas.

9 Severino, por exemplo, na seção que seu livro dedica à explicar a teoria do Arrebatamento Secreto, apresenta quase 20 textos-prova, sem se dar ao trabalho de ensinar expositivamente nenhum deles. No entanto, dedica algumas páginas a explicar termos gregos que, em tese, justificariam a interpretação que ele adotou previamente (DA SILVA. Pedro Severino; Escatologia: Doutrina das últimas coisas, pgs. 12-16. 1988. CPAD). Gilberto, outro autor assembleiano, garante ao leitor que “conforme expomos acima, no arrebatamento, Jesus vem secretamente para a Igreja. Na Revelação ele vem publicamente para Israel e as demais nações”. No entanto, o que ele expõe é a teoria do arrebatamento secreto em si, e o que ela diz sobre os textos. Não há, de fato exposições dos textos apresentados, ainda que o autor faça um trabalho um pouco mais dedicado ao defender que a Igreja não passará pela Grande Tribulação, pg. 21ss (GILBERTO. Antônio, O Calendário da Profecia, pgs. 15-23. 1985.CPAD).

10 Dallas Theological Seminary, um dos principais polos de difusão da teoria. 

A mesmice do culto evangélico brasileiro

Com esse artigo, irei tratar de um assunto muito pertinente na discussão sobre o culto divino no meio evangélico brasileiro. Devido a uma série de questões sociológicas e pragmáticas, como eu e muitos outros temos tratado em artigos, desenvolveu-se no meio evangélico brasileiro um tipo de liturgia e de vocabulário específicos( que muitas vezes apenas os participantes entendem). Qualquer costume ou ato que fuja a isso é considerado herético. Assim, se um batista ou pentecostal vai a um culto luterano, fica escandalizado, achando que "aquilo tem cara de missa". Nós que conhecemos bem o ódio nutrido pelos protestantes brasileiros  contra a Igreja de Roma, podemos entender que tal expressão é uma das piores ofensas que pode sair da boca de um evangelical brasileiro médio. Argumenta-se que liturgias tradicionais são ultrapassadas, engessadas e repetitivas. A respeito deste último aspecto se desenvolverá a nossa reflexão. Não seria o culto evangélico brasileiro bem mais repetitivo do que uma liturgia histórica tradicional? O culto aqui descrito não existe 100% dessa maneira em nenhuma igreja que eu conheça, mas reúne características de cultos de várias igrejas tradicionais e pentecostais que frequentei, visitei ou vi pela TV/YouTube. Vamos começar?

Primeiramente, por mais que tenham repugnância à palavra liturgia e aos boletins de culto, os evangelicais praticam sempre a mesma ordem no culto. Começa-se com a oração inicial, seguem-se alguns cânticos, leitura da palavra, ofertas, sermão, celebração dos sacramentos, oração final e benção. Em alguns grupos que tentam ser um pouquinho mais litúrgicos, adiciona-se uma oração de confissão, outra de iluminação e um envio, nos devidos momentos. Agora, que constatamos que o esquema dos cultos é quase sempre o mesmo, vamos analisar as partes.

ORAÇÕES: A principal característica das orações feitas no culto público em nossas igrejas é o individualismo. Ignorando que no culto o povo de Deus deve estar em comunhão de coração, mente e expressão, acabaram criando o péssimo argumento de que orações recitadas, como o Pai Nosso, são as vãs repetições que Jesus condena nos Evangelhos. Por isso, cada um deve orar com suas próprias palavras. Numa igreja tradicional, um irmão é convidado a elevar a voz em nome da igreja, que acompanha em silêncio. Aí já começa a mesmice. Apesar de nunca recitar uma oração inteira, como na missa católica, o evangélico brasileiro sempre repetirá os mesmos chavões e clichês em suas orações "espontâneas". Começando com "Senhor nosso Deus e nosso Pai", incluirá sempre "para a honra e glória do teu nome", "Senhor, sabemos que estás aqui","põe os teus anjos aqui",etc. Concluirá com "é o que nos te pedimos e agradecemos, em nome de Jesus". Independentemente do pastor dizer que é uma oração de confissão, ou de louvor, ou de iluminação, o irmão sempre vai querer orar por tudo de uma vez só. Os demais fiéis ficam em dúvida: apenas concordamos com o que o irmão diz (e isso pode ser perigoso, pois vez ou outra um irmão menos esclarecido proferirá heresias), ou se fazemos nossas próprias orações em silêncio (o que também não é bom, visto que por vezes estamos "inspirados" na oração, e temos que terminá-la do nada quando o irmão representante termina a sua). Numa igreja pentecostal, a coisa é ainda mais confusa. Todos oram em voz alta, ao mesmo tempo, e ninguém entende o que o outro quer dizer. Por vezes, quem está dirigindo a oração já terminou, mas ninguém sabe, porque algum irmão mais "fervoroso" ora ainda mais alto. Entre outros clichês que se repetem nessas orações "livres", "sinceras" e "espontâneas", estão aquelas que se referem aos demônios. Alguns irmãos os chamam pelo nome dos seres espirituais das religiões afro ("Senhor, repreende o exu-caveira"), ou simplesmente "repreende tudo o que o Inimigo planejou contra esse culto". Quase sempre a pessoa que dirige a oração o fará de olhos fechados, bem fechados, comprimindo os músculos e nervos da face, e fazendo uma cara estranha. Agora, eu vos pergunto: O culto divino deve ser comunitário. Que comunhão houve com cada um fazendo uma oração diferente, por vezes com propósitos diferentes, com intenções diferentes? Não seria mais coerente, edificante, belo e expressivo orar uma oração recitada, como o Pai nosso ou um salmo?

LOUVORES: Devido aos parcos recursos (ou mesmo à preguiça dos dirigentes), em algumas igrejas só se cantam os mesmos hinos. O pior é que esses hinos, quando não abertamente heréticos (como "restitui, eu quero de volta o que é meu", "não conseguiremos ficar em pé", "hoje o meu milagre vai chegar", etc.), tratam apenas de temas periféricos, como bençãos, vitórias, etc. Outro tipo de hino, que faz sucesso em igrejas pentecostais, são os que falam que a glória de Deus vai descer, Deus vai operar, o manto vai descer, vejo o poder de Deus, entre outros. E a coisa só fica nisso. Canta-se tanto, e o máximo que acontece é todo mundo se exceder no emocionalismo e no chamado "Reteté". Vidas transformadas? Nenhuma. Enfermos curados? Nenhum. Milagres? Nenhum. Almas resgatadas? Nenhuma. O oculto e o escondido revelados? Não.E ainda dizem que "Deus agiu poderosamente" no louvor, apenas porque "sentiram uma coisa boa no coração", porque ouve barulho, etc. Outro problema com muitos hinos atuais é que eles são, além de musicalmente pobres, muito repetitivos. Se canta a primeira estrofe duas vezes, o coro outras três, a frase final umas dez, e depois se repete tudo três vezes. Ora, não são esses mesmos irmãos que criticam o rosário dos católicos romanos por repetir muitas vezes a mesma oração? Não são muitos hinos orações cantadas? Ah, sim, nesse ponto, temos algo curioso: pela lógica desses irmãos, sequer poderíamos cantar hinos de hinários, visto que as palavras são decoradas e previamente escritas. Nesse caso, o que deveriam fazer? Esperar que o Espírito Santo concede-se a alguém uma letra e melodia na mesma hora! Mas esperar isso como algo comum em todo culto (vez ou outra Deus pode agir dessa maneira, reconheço), em todo o momento de louvor, seria no mínimo ridículo. O Espírito Santo tem mais o que fazer no culto do que conceder material para quem distorce a sã Palavra inspirada por Ele. E eu não poderia deixar de falar que, no geral, a igreja canta pouco. A esmagadora maioria dos louvores é deixada na conta de corais, duetos, conjuntos e solistas, o que contraria o princípio protestante de que a ênfase deves ser toda a congregação adorando a Deus junta. É óbvio que um coral treinado proporciona uma belíssima experiência espiritual para a igreja, que um bom solista deve ter seu dom utilizado no culto, mas tudo com certo limite. Outro problema comum, é que os ministros de louvor, que teoricamente deviam apenas cantar, tentam "animar" a igreja, repetindo os mesmos clichês, como "esquece quem tá do teu lado e adore a Ele"(ora, se eu quisesse adorar a Deus sozinho, ficaria em casa!), entre outras frases que estimulam o emocionalismo e o individualismo, além de ordens ridículas como "diga tal coisa ("a vitória vai chegar", "adore a Ele",etc.) para o irmão ao lado". Outra coisa curiosa é que é só o forrózinho começar, que "o fogo cai".

LEITURAS BÍBLICAS E SERMÕES: Enquanto num culto luterano ou anglicanos se faz três ou quatro leituras das Escrituras (e estas sempre variam, de modo que, ao longo de três anos, a Bíblia tenha sido lida por completo no culto público), nas igrejas evangélicas há apenas uma leitura da Bíblia, e quase sempre a mesma. Se vão ler os Salmos, se limitam ao 23, 91, 103 e 150. Quando vão ler os Evangelhos, raramente escolhem os que tratam dos ensinamentos de Jesus: apenas os milagres do Senhor são enfocados. Dificilmente se lê as epístolas de Paulo (uma notável excessão é a leitura de que "nada nos poderá separar do amor de Deus"). Os sermões seguem o mesmo princípio: milagres, bençãos, vitórias, a luta tá difícil mais hoje Deus vai fazer algo diferente, etc. Em muitas igrejas pentecostais, quando pregadores de fora são convidados, quase sempre fazem as mesmas coisas: começam elogiando a igreja e o pastor, falam que teologia é bom, mas que o que importa é o "Espírito". Tentam produzir avivamento na igreja, mandando os irmãos dizerem "glória a Deus" e "aleluia" a toda hora. Começam a engrossar a voz. Começam a usar a expressão vocal na seguinte cadência: blábláblábláBLÁAAA, bláblábláblábláBLÁAA. Depois, caso o pregador seja de fora, pede para o pastor da igreja a permissão para fazer um apelo para quem está fraco ou está passando por uma grande luta, pois naquele dia Deus vai mudar a situação. Sempre a mesma mensagem, o mesmo apelo, o mesmo barulho, os mesmos clichês, e nada muda. Outro problema é um biblicismo extremado na apresentação da Palavra. Sabemos que o Verbo se fez carne, e não livro. A Bíblia deve julgar todas as coisas e ser o guia primordial do culto, mas referências à História da Igreja, às vidas de grandes servos de Deus, e mesmo comparações ou analogias com as notícias do dia, com a filosofia e as ciências, e com a cultura comum, servem para abrilhantar o sermão de um modo belo e correto

CELEBRAÇÃO DOS SACRAMENTOS: Apesar de a Igreja primitiva celebrar a Ceia do Senhor todos os domingos, as igrejas evangélicas criaram uma série de outros padrões: uma vez ao mês, duas vezes ao mês, uma vez ao ano, etc. E curiosamente criticam as que insistem em manter o padrão neotestamentário da comunhão semanal. A liturgia da ceia praticada pelos evangelicais também acaba se tornando uma mesmice: as mesmas leituras, as mesmas ameaças, os mesmos gestos, os mesmos hinos, etc. Ao menos na liturgia histórica, os elementos possuem nobreza e beleza, e as orações possuem partes móveis de acordo com as datas do calendário litúrgico. Algo também precisa ser dito a respeito do batismo. Nas igrejas que só batizam adultos (pentecostais, batistas e adventistas), é feita a pergunta: "promete ser fiel à doutrina da igreja?".  Os batizandos sempre vestem um roupão branco (isso não seria uma espécie de veste litúrgica? Com que lógica então se questionam as estolas pastorais?). Nas igrejas que batizam bebês (como as presbiterianas e metodistas), o ritual é feito como que sendo um acidente no culto, um corpo estranho que é encaixado de qualquer jeito, com o pastor repetindo os velhos clichês de "filho da promessa" e "ovelhina de Jesus".

APELO EVANGELÍSTICO: Segue-se um apelo, como o menino do teclado tocando ao fundo uma melodia melosa, para que os descrentes presentes aceitem a Jesus como Salvador. O apelo é quase sempre assim: "Você ouviu o que Deus falou através do pregador, você se sentiu tocado pelos hinos. Agora, eu lhe pergunto, você quer esse Jesus na tua vida? Então venha aqui na frente, e faremos uma oração por você". O apelo também pode criar uma falsa sensação de segurança, pois a pessoa julga que ir a frente assegura a sua salvação. Eliminar o apelo? Nem tanto, basta explicar o seu significado corretamente.

AMBIENTE DE CULTO, TIPOS DE CULTO: A decoração é sempre a mesma. As mesmas flores e cortinas nos mesmos lugares, as mesmas toalhas na mesa da santa ceia. Os pastores sempre de terno e gravata, por mais que esteja 50º de temperatura (e ainda assim criticam os padres por usarem suas vestes clericais na missa!). Apesar de rejeitarem o calendário litúrgico clássico, muitas igrejas fazem o seu próprio calendário: dia tal é culto da família, o outro é culto de libertação, outro ainda é o culto de ensino. Uma vez por ano é o congresso dos jovens, no Natal e na Páscoa é a apresentação do coral,etc.Também, durante o culto, as pessoas sempre fazem os mesmos gestos, e sempre as mesmas pessoas

Caros leitores, eu quis desarmar aqueles que argumentam a favor de uma liturgia espontânea, que não é nada espontânea, mas cheia de trejeitos típicos, mesmices, clichês e chavões. O culto evangélico brasileiro é bem mais repetitivo do que a Missa de Paulo VI, do que a liturgia prevista do Livro de Oração Comum, do que a Divina Liturgia de S. João Crisóstomo. E, infelizmente, nossos padrões e repetições são teologicamente e espiritualmente pobres e razos. É hora de repensarmos o nosso culto público. É culto, pois é devido ao Soberano Criador dos céus e da terra, não à um qualquer (como temos pecado ao oferecer a Deus coisas malfeitas, sem cuidado, sem carinho, sem preparo!) É público, porque todo o povo de Deus participa em conjunto, no mesmo espírito e na mesma fé. Não é correto dizer: "passe o culto como se não houvesse mais ninguém". Ora, se é para mim culturar sozinho, orar espontaneamente com minhas próprias palavras, cantar hinos sozinho com minha voz afinadíssima, ouvir um bom sermão, eu posso ficar em casa. Agora, se eu desejo participar da comunhão do povo de Deus, sinto prazer em recitar as Escrituras em uníssono com meus irmãos,em orar o Pai Nosso com verdadeiro fervor,  em recitar o Credo com eles, em cantar os hinos e cânticos junto com a Igreja inteira, em levantar as mãos ou ajoelhar com os demais, em partilhar o sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo entre seus amigos, em dedicar-me a Deus (e aos olhos do povo santo) no sacramento do batismo, em dizer o amém depois que o pastor impertra a benção, o lugar para mim é a Igreja. Infelizmente, tenho que dizer: esse lugar deveria ser a Igreja.