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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Agostinho de Hipona


               Amanhã celebraremos a memória de Agostinho de Hipona, o popular Santo Agostinho. Creio que todos nós já ouvimos falar sobre esse grande filósofo e teólogo da Antiguidade Tardia. Nesse artigo, pretendo falar um pouco sobre sua vida, testemunho, obra e teologia. Receio que meu pequeno artigo não fará jus à grandeza de sua mente, mas vou tentar
                Aurélio Agostinho nasceu no ano de 354 na cidade de Tagaste, na Numídia (atual Argélia). Era filho de Patrício, um pagão bem colocado na sociedade local, e de Mônica, uma piedosa cristã. Teve um irmão e uma irmã. Possuíndo destacada inteligência, estudou o currículo tradicional da época em sua adolescência. Na juventude, muda para Cartago, onde viverá com uma concubina, que lhe dará um filho, Adeodato. Vivendo de forma mundana, Agostinho se interessa por filosofia, e acaba por se tornar um competente professor de gramática. Em 373, ingressa na seita dos maniqueus, grupo herético que pregava o dualismo e um fatalismo pessimista.
                Em 383, embarca para Roma, em busca de fama, celebridade e riquezas. Tornando-se professor oficial de retórica em Milão (posição extramamente privilegiada na época), o Evangelho começa a penetrar-lhe o coração graças a sabedoria e aos sermões do sábio Ambrósio, bispo da cidade. Devido a essa influência, e as constantes orações de sua mãe, Agostinho começa a se enveredar por um bom caminho. Encontra nos escritos do filósofo romano Cìcero algumas ideias que o aproximariam da fé cristã. Posteriormente, descobre a filosofia platônica, que possuía muitos pontos em comum com o Cristianismo. Convencendo-se intelectualmente aos poucos, passa por uma experiência de conversão através da graça de Deus, em 386. No ano seguinte, é batizado por Ambrósio. Retorna ao Norte da África, onde será ordenado ao sacerdócio e, posteriormente, ao episcopado, na cidade de Hipona. Agostinho também vive temporariamente como cenobita (uma éspecie de vida monástica). Combate as heresias dos maniqueus, dos donatistas (rigoristas extremos) e dos pelagianos (que trataremos posteriormente). Morre em 430, enquanto Hipona estava cercada pelos vândalos, um povo de bárbaros germânicos.
                Agostinho legou uma vasta obra literária. Suas Confissões, autobiografia espiritual escrita em belíssima forma de oração, tornou-se um dos livros mais amados da espiritualidade cristã. Cidade de Deus, sua opus magna, foi a mais completa filosofia da história de seu tempo. Entre outras muitas obras, ele escreveu também: A Doutrina Cristã, Sobre a Trindade, Retratações, Comentários aos Salmos e O livre-arbítrio. Também deixou muitas cartas e sermões.
                Tendo experimentado a força arrasadora do pecado em sua juventude, Agostinho desenvolveu uma antropologia pessimista. O homem havia perdido todo o seu bem espiritual com a queda de Adão. Mesmo os bebês nasciam escravizados pelo pecado. Apesar de encontrarmos antecedentes em outros Pais da Igreja, como Cipriano, Tertuliano e Ambrósio, Agostinho pode ser considerado o grande arquiteto da doutrina do pecado original, que ensina a total miséria e incapacidade do homem. Restava ao homem a graça soberana de Deus. A pura misericórdia do Criador era a única esperança para o ser humano caído, depravado e indigno. Agostinho escreve vários tratados sobre o assunto, como: A graça de Cristo e o pecado original; O Espírito e a letra; Da Predestinação dos Santos, etc.   Sua visão da graça e predestinação influenciaria muitos teólogos medievais e, especialmente, os reformadores protestantes, como Lutero e Calvino. Agostinho teve de enfrentar o herege Pelágio, monge britânico que afirmava a bondade e a capacidade natural do ser humano, entregando a glória da salvação de forma  total ao livre-arbítrio humano.
                Como grande defensor da graça divina e do poder supremo de Deus, Agostinho combateu o erro dos donatistas, que afirmavam que a dignidade do sacramento dependia da dignidade do ministro (Ex: caso você descobrisse que o pastor que te batizou estivesse em pecado quando o fez, seu batismo seria inválido). Afirmou que os sacramentos nos são concedidos pelo próprio Cristo, dependendo exclusivamente da santidade e dos méritos do Deus encarnado. Defendeu também o batismo das criancinhas pois, como já foi dito, mesmo elas estavam escravizadas pelo pecado original. Segundo alguns teólogos, a doutrina do pecado original só se desenvolveu porque a Igreja precisou explicar o porquê do batismo dos pequeninos, que já praticava desde tempos imemoriais. Agostinho também combateu os arianos, que negavam o dogma da Santíssima Trindade, escrevendo um tratado teológico-filosófico sobre o assunto. Foi também um organizador da vida monástica comunitária. Graças a sua influência, a Idade Média veria o surgimento da Ordem Agostiniana. Contra a heresia maniqueísta, que outrora abraçara, Agostinho defendeu a doutrina bíblica de que Deus criou boas todas as coisas. Escreveu sobre praticamente todos os assuntos envolvendo a fé, como a teologia dos sacramentos, eclesiologia (condenou heresias e divisões na Igreja), escatologia (foi o grande defensor do amilenismo), a natureza e a inspiração das Escrituras,etc. Outrora atormentado com a questão do mal (o velho dilema sobre sua origem e permanência num mundo criado por um Deus bom), quando de seu trajeto para Cristo, descobriu a resposta: o mal não subsiste como essência em si próprio, mas é a ausência do bem (do mesmo modo que as trevas não subsistem como essência nelas próprias, mas são a ausência da luz).
                O bispo de Hipona também tratou de assuntos morais, políticos, filosóficos e práticos. Desenvolveu o conceito de guerra justa, que nortearia a práxis medieval: o cristão não poderia participar de uma guerra de pilhagem contra um povo pacífico, mas poderia pegar em armas, sob a liderança do Estado, para defender-se de um ataque injusto por parte de outro povo ou nação. Condenou a prática do suicídio. Era a favor da cooperação entre a religião cristã e o governo civil. Devido a essas e outras ideias, Agpstinho é considerado como a transição entre a Antiguidade e a Idade Média (pessoalmente, prefiro dar tal título a Gregório Magno).
                Agostinho foi uma dessas mentes geniais e piedosas com as quais Deus, de tempos em tempos, enriquece a Sua Igreja. Considerado o maior dos Pais da Igreja, Doutor da Igreja por excelência, Agostinho foi o intérprete oficial da Igreja Latina durante a Idade Média. Um monge sob sua influência, Martinho Lutero, iria dar origem ao grande avivamento que foi a Reforma Protestante. João Calvino, considerado o maior teólogo protestante da Idade Moderna, conhecia profundamente os escritos de Agostinho, e os citaria centenas de vezes, formulando a doutrina da predestinação incondicional. Entre outros grandes teólogos protestantes que elogiaram e se inspiraram em Agostinho, temos o batista reformado Charles Spurgeon, chamado de "o Príncipe dos Pregadores".
                
Alguns trechos extráidos dos escritos de Agostinho:

"Há duas coisas igualmente importantes na exposição das Escrituras: a maneira de descobrir o que é para ser entendido e a maneira de expor com propriedade o que foi entendido," (Da Doutrina Cristã).

"O Pai, o Filho e o Espírito Santo, isto é, a própria Trindade, una e suprema realidade, é a única coisa a ser fruída, bem comum de todos (...). Não é fácil encontrar um nome que possa convir a tanta grandeza e servir para denominar de maneira adequada a Trindade. A não ser que se diga que é um só Deus, de quem, por quem e para quem existem todas as coisas." (Da Doutrina Cristã).

"Se o caminho da verdade permanecer oculto, de nada vale a liberdade, a não ser para pecar. E quando começar a se manifestar o que se deve fazer e para onde se dirige, não se age, não se abraça o bem, não se vive retamente, se com o bem não se deleita e não se o ama. Porém, para que venha a amá-lo, o amor de Deus se difunde em nosso coração não pelo livre-arbítrio que radica em nós, mas pelo Espírito Santo que nos foi dado." (O Espírito e a letra).

"E o preceito, se é observado por temor da pena, e não por amor da justiça, não é observado com liberdade, mas com espírito de servidão, não é observado. Pois não é um bom fruto o que não procede da raiz da caridade." (O Espírito e a letra).

"A natureza do homem foi criada no princípio sem culpa e sem nenhum vício. Mas a atual natureza, com a qual todos vêm ao mundo como descendentes de Adão, tem agora necessidade de médico devido a não gozar de saúde." (A natureza e a graça)

"Assim, toda a raça humana merece castigo. E se todos recebessem a punição, a punição não seria injusta. Por isso os que são libertados pela graça não se denominam vasos de seus méritos, mas vasos de misericórdia. De quem procede a misericórdia? Não é daquele que enviou Cristo Jesus a este mundo para salvar os pecadores, os quais ele conheceu, predestinou, chamou, justificou e glorificou?
Portanto, quem é a tal ponto insensato que não renda graças inefáveis à misericórdia daquele que libertou os que quis e cuja justiça não se haveria de inculpar mesmo que condenasse todos os seres humanos" (A natureza e a graça).

"Percebei como o Apóstolo, inspirado pelo Espírito Santo, previu muito antes os futuros adversários da graça de Deus. Além disso, asseverou que Deus opera em nós os dois, ou seja, o querer e o operar, que os pelagianos pretendem que sejam nossos, como se não necessitassem da ajuda da graça divina" (A graça de Cristo e o pecado original).

"Portanto,a Lei é boa, pois proíbe o que é preciso evitar e ordena o que se deve ordenar. Mas quando alguém pensa que a pode cumprir pelas próprias forças, não pela graça de seu Libertador, de nada lhe aproveita essa presunção; pelo contrário, prejudica-o tanto que é também arrastado por um mais veemente desejo de pecado..."(Explicação de algumas proposições da Carta aos Romanos).

"...O Pai, o Filho e o Espírito Santo perfazem uma unidade divina pela inseparável igualdade de uma única e mesma substância. Não são, portanto, três deuses, mas um só Deus..."( Sobre a Trindade).

"Sou teu servo, Senhor, teu servo e filho de tua serva. Quebraste-me as cadeias; vou oferecer-te um sacrifício de louvor. Louvem-te meu coração e minha língua, e digam todos os meus ossos: "Quem é semelhante a ti, Senhor?" Que eles o digam. E tu responde-me e dize à minha alma: "Eu sou o teu Salvador". Quem sou eu? E como sou? Que malícia não houve nos meus atos! Ou, se não houve nos meus atos, existiu nas minhas palavras; ou, se não existiu nas minhas palavras, existiu na minha vontade! Mas tu, Senhor bom e misericordioso, com tua mão exploraste as profundezas de minha morte e purificaste o abismo de corrupção do meu espírito." (Confissões).

Bibliografia: Várias obras de Agostinho estão disponíveis em português. A coleção "Patrística", da Editora Paulus, possui alguns volumes com os escritos dele. Existem várias edições das Confissões, por preços bem acessíveis. Há também uma boa versão da Cidade de Deus publicada pela Editora Vozes. Entre outras obras publicadas por outras editoras, temos Sobre a mentira, As potencialidades da alma e Sobre o sermão do Senhor na montanha. O teólogo presbiteriano Franklin Ferreira compilou o livro "Agostinho de A a Z", no qual são elencadas citações do célebre bispo de Hipona separadas por assunto, em ordem alfabética.
BONUS: Para que gosta de cinema, uma boa dica é o filme "Santo Agostinho", que pode ser facilmente achado no YouTube.



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