Martin Luder nasceu
em 10 de Novembro
de 1483, em Eisleben, na Alemanha central. Alemanha que, como
unidade política, não existia. Seu atual território, juntamente com porções dos
Países Baixos, norte da Itália e Europa Central, compunham uma união conhecida
como Sacro Império Romano-Germânico, cujo imperador acumulava enorme poder no
continente. Cada região/província/unidade dentro do Império era governada por
um príncipe, duque ou arcebispo, que dispunha de certa autonomia em seus
domínios. Era uma situação política complexa, que podia ser chamada de
"colcha de retalhos".
O mundo estava em
transformação. A chegada dos europeus à América recém-descoberta; o movimento
artístico-cultural do Renascimento; o desenvolvimento das Ciências; novas
técnicas militares; a centralização das monarquias, os esforços bélicos contra
os turcos;o contato com as grandes civilizações da África( Abissínia) e Oriente
(Índias, China, Molucas e Japão). a invenção da imprensa; questionamentos
religiosos de teólogos como Jan Hus e Girolamo Savonarola...Tudo mudava
rapidamente.
Martin era filho de
Hans Luder, operário que, com muito esforço, consegui dar certo nível de
seguridade à família e educação para os filhos.Hans queria muito que o filho
fosse "alguém na vida", e se empenhava em custear seus estudos. Era
no entanto, severo e brutal na disciplina e castigos. O jovem Martin estudou em
escolas diversas, aprendeu o latim, formou-se bacharel e mestre em Artes,
iniciando então os estudos de Direito, o que era de agrado do pai.
No ano de 1505, com
muitas questões na mente, Lutero passa ainda por uma experiência traumática.
Após quase morrer atingido por um raio durante uma tempestade, promete a Santa
Ana(segundo a Tradição cristã, era a mãe da bendita Virgem Maria) consagrar a
vida à religião. Contra a vontade o pai, ingressa do Convento Negro dos
Agostianianos, em Erfurt, sendo ordenado sacerdote em 1507. Devido à sua mente
brilhante e cumprimento férreo dos deveres religiosos, acumulou cargos
diversos. No entanto, o monge não sentia paz ou alegria em sua fé. Ao contrário
de
outros monges do passado , a quem tanto admirava, como S. Bernardo de
Claraval, Lutero só conseguia enxergar um Deus irado, severo e implacável. A
Lei sem o Evangelho. A penitência sem a graça. O esforço sem o Espírito. Sua
viagem a Roma tornou-o mais confuso: muitos dos clérigos e religiosos da cidade
viviam em devassidão moral e crimes. A simonia e a superstição eram
estimuladas. Os pontificados imorais de Alexandre VI e Júlio II constituíram
uma triste mancha na Cristandade. O zelo e fé de pontífices como Inocencio III
eram apenas lembranças vagas. Santos sacerdotes, monges e freiras escreviam e
exortavam ao povo e à hierarquia da Igreja, derramando perante Deus as suas
lágrimas em favor da Cristandade. Os "Diálogos" de Sta. Catarina de
Sena são um testemunho pungente e profundo dessas almas piedosas, leais filhos
de Deus e da Igreja.
Lutero em Erfurt. |
Certamente Lutero
já havia lido muitas vezes as Escrituras em 1510. Além de sacerdote, era doutor
em Teologia, e conhecia o latim muito bem. No entanto, o sentido do Evangelho
não penetrara sua alma ferida e confusa. Ao analisar, com cuidado, o verso
escríto pelo apóstolo S. Paulo , na epístola aos Romanos, de que "o justo
viverá pela fé", compreendeu o que era realmente a justiça de Deus, que
tanto o atemorizava. A salvação não era um prêmio a ser conquistado, mas um dom
a ser recebido. As doutrinas da justificação pela fé apenas (sola fide),
distinção entre Lei e Evangelho e a liberdade cristã são decorrentes dessa
descoberta inicial. Resumindo o período, Lutero acumulou as funções de pároco
municipal e professor universitário de teologia em Wittemberg, aonde o príncipe
da região (Saxônia), o culto Frederico, estimulava o estudo e o conhecimento.
Padre Luder deu aulas de exposição das Escrituras, às quais agora entendia com
clareza, e não apenas na letra morta. Posteriormente, adaptaria seu sobrenome,
Luder, para "Luther", num trocadilho com o termo grego para
"liberto" (eleutherios).
As indulgências,
perdão eclesiástico concedido aos vivos ou aos mortos que padeciam no
purgatório, eram baseadas num esquema de boas obras e méritos que poderiam ser
transferidos dos santos na glória para os que não eram "perfeitos".
Existiam há algum tempo na Igreja. O escândalo deu-se quando passaram a ser
negociadas com dinheiro. Quanto o espalhafatoso frade dominicano Johann Tetzel
chegou a Wittemberg, com suas promessas mirabolantes e declarações blasfemas
contra Cristo e a Virgem, Luder encaminhou 95 Teses ao arcebispo de Mainz.
Sendo sinceramente leal à Igreja e ao papa, pensava que a alta hierarquia iria
combater os abusos dos vendedores de indulgências. Foi uma total decepção.
Apesar de Tetzel ter sido severamente reprimido, a Igreja alegou que o erro de
Luder era desfiar a autoridade do papa. Até então, ele fora fiel aos dogmas
estabelecidos, mas com o passar dos anos opôs-se cada vez mais aos desvios
acumulados desde a Idade Média.
É de vital
importância salientar que Lutero nunca quis criar uma nova religião ou igreja.
Estudante assíduo dos Pais da Igreja Antiga(como Cipriano e Agostinho) e dos
teólogos medievais (especialmente o já citado São Bernardo), cria firmemente na
eficácia dos sacramentos, na continuidade histórica ininterrupta da Igreja de
Cristo (conforme a promessa de Mateus 16) e conservou a maior parte da liturgia
histórica. Ele desejava apenas purificar a Igreja Cristã (Católica) de todos os
tempos dos abusos e excessos instituídos pelo papado ao longo dos séculos. Ao
ser perseguido, condenado e excomungado por isso, foi forçado a assumir as
rédeas de um novo ramo da Cristandade, que, contra sua vontade, passariam a ser
conhecidos como "luteranos".
Na década de 1520,
escreveu livros diversos, como o "Magnificat", expondo a compreensão
evangélica sobre a santa Mãe de Deus; "Do Cativeiro Babilônico da
Igreja", no qual manteve apenas dois sacramentos oficiais (batismo e
eucaristia), mantendo porém a penitência (confissão) em status elevado; e
"Da Liberdade Cristã", que expressa a máxima " o cristão é senhor
de tudo pela fé, mas servo de todos pelo amor". Músico habilidoso,
escreveu/compôs/adpatou cerca de 37 hinos e cânticos ao longo da vida (sendo o mais famoso Ein Feste Burg, conhecido como " a Marselhesa da Reforma"),
possibilitando aos cristãos alemães louvarem e suplicarem a Deus em sua própria
língua e sem os processos intrincados do canto gregoriano da época.
Pintura de época representando um culto luterano. |
A sua tradução das
Sagradas Escrituras deu uma base racional e unificadora para a língua alemã.
Compositores como Bach, Mendelssohn e Brahms utilizaram a Bíblia de Lutero como
fonte das letras de suas composições. O reformador era um grande defensor da
necessidade de educação escolar e acadêmica para crianças e jovens. Um de seus
tratados possui o nome de "Exortação aos pais para que mandem os filhos à
escola". No entanto, também defendia que os jovens deveriam se divertir,
brincar e dançar.E com a ajuda do amigo mais jovem, o brilhante Filipe
Melancton, foram escritos os documentos mais importantes da teologia
confessional luterana.
Casando com a
ex-monja cisterciense Katherine von Bora, desfiou as restrições da época ao
casamento de clérigos. Tiveram seis filhos, vivendo rodeados de parentes,
amigos e estudantes. Lutero faleceu em 18 de Fevereiro de 1546, numa viagem para mediar o conflito
entre dois nobres, que eram irmãos de sangue. Sua última palavra foi um
"sim", em resposta a pergunta do amigo Justus Jonas:
"Reverendo Padre, quereis morrer firmado em Cristo e na doutrina
que em seu nome ensinaste?"
O papa Francisco homenageia Lutero. |
Lutero foi um
grande cristão e pastor da Igreja de Cristo. Ao mesmo tempo, como ele mesmo
reconhecia, um miserável pecador. Irritava-se com facilidade, falava de modo
grosseiro e se desentendia de maneira rude com outros teólogos (especialmente o suíço Zuinglio e os "profetas" anabatistas).. Seu polêmico livro sobre os
judeus, a Guerra dos Camponeses e os conturbados relacionamentos conjugais do
príncipe Filipe de Hesse (seu protetor e admirador), foram algumas das chamadas
"manchas negras" na vida do reformador. Depois de quase cinco
séculos, é considerado uma das personagens mais influentes da História, um
homem que mudou o curso não só do Cristianismo, mas de toda a civilização.
Reconhecido, pelo menos em certos aspectos, por pensadores tão diversos quanto
Karl Marx e Goethe, foi homenageado recentemente até mesmo pelo líder da Igreja
Católica Romana, o papa Francisco, onde cada vez mais tem sido visto como
"um fiel filho da Igreja". Os avanços no diálogo ecumênico levaram
católicos e protestantes a perceber que terminologias confusas, preconceitos e
inflexibilidade constituíram boa parte das razões para esse triste ódio entre
irmãos que se manteve por todo esse tempo. A Declaração Conjunta sobre a
Justificação pela Fé (1999), assinada por católicos, luterano e
(posteriormente) metodistas é um exemplo dessa reaproximação.
Oremos: Graças de damos, Deus de amor e justiça, pela vida do
Bem-Aventurado Martinho Lutero, reformador da Santa Igreja Católica. Que ao seu
exemplo de dedicação ao Evangelho e reconhecimento de seus pecados e
indignidade, possamos seguir em comunhão com os cristãos de todos os grupos,
avaliando a luz da vontade divina o legado de teu servo. Por nosso amado Senhor
Jesus Cristo. Amém.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:
Obras Selecionadas. Comissão Interluterana de Literatura;
LUTERO, Martinho. Magnificat
-o Louvor de Maria. Editora Santuário; Editora Sinodal
LUTERO, Martinho. Do Cativeiro Babilônico da Igreja. Martin Claret
Clássicos da Reforma - Martinho Lutero - Uma coletânea de escritos.
Editora Vida Nova
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão, Editora ASTE
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Editora Vida Nova.
CÉSAR, Elben M. Lenz. Conversas com Lutero. Editora Ultimato
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