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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Isaias 53 garante a plena saúde física ainda nesta vida?


Muitos neopentecostais usam a clássica passagem de Isaías 53 para afirmar que os cristãos não podem/devem ficar enfermos, pois Cristo teria levado suas doenças na cruz, de forma que, mesmo nessa vida, devemos gozar de plena saúde física. Ao consultarmos o contexto da profecia de Isaías, vemos que tais enfermidades se referem, principalmente, às enfermidades espirituais, às feridas e chagas provocadas pelo pecado. Para tentar provar que tal cura se refere a enfermidades físicas reais, utilizam a alusão da profecia em Mateus 8.17 onde aparece claramente relacionada à cura física. No entanto, tal argumento é um tiro no pé, pois o texto de Isaías (e a própria teologia neopentecostal) associa a plena saúde física à expiação de Cristo na cruz, enquanto a citação da profecia por Marcos é feita durante o ministério terreno de Jesus, três anos antes de sua morte! Apesar de vermos que a cura física também está incluída,toda esta questão só pode ser resolvida se abraçarmos a doutrina bíblica e unânime na História da Igreja de que boa parte das profecias do Antigo Testamento, que são referidas no Novo, se cumprem espiritualmente e em vislumbre (como At 15.16, 1Co 15.20-23 - A promessa da ressurreição do povo de Deus é cumprida, em vislumbre, pela ressurreição de Cristo, como indício da ressurreição final deste povo, no futuro). Assim sendo, as curas físicas, realizadas por Jesus, pelos apóstolos, e pelas orações da Igreja ao longo da História são um vislumbre da plena saúde física que nossos corpos glorificados gozarão na eternidade (1Co 15.54 –note que o texto descreve o atual estado do nosso corpo como “corruptível”, ou seja, sujeito a doença e morte). Podemos ver no Novo Testamento várias menções de cristãos enfermos, sem que a enfermidade seja atribuída à incredulidade. Paulo, que a tantos enfermos curou milagrosamente, recomenda ao discípulo Timóteo que tome uma mistura de vinho e água para suas enfermidades estomacais (1Tm 5.23). Em nenhum momento Paulo “exige” ou “determina” a cura, e nem diz a Timóteo que a morte de Cristo o livrou das enfermidades. Ora, Paulo costumava falar dos benefícios da paixão do Senhor, muitas vezes o fez (Ef 1.1-12; Rm 3.23-25; Rm 5.6-9;; Rm 6.10-11; 1Co 15.3; 2Co 5.18-19; Gl 2.20-21; Cl 1.21-22; Tt 2.13-14), mas nunca citou a saúde física nesta vida como sendo algo oriundo dela. Pelo contrário, ele reconhece que nosso corpo se corrompe (2Co 4.16). O grande doutor dos gentios também deixou o amigo Trófimo doente (2Tm 4.20), não pôde curá-lo. Por fim, embora posteriormente curado, o discípulo Epafrodito passou pela experiência da enfermidade, e Paulo atribui sua cura ao misericordioso desígnio de Deus e sua compaixão (Fp 2.25-27), e não a um suposto direito conseguido na cruz. Paulo também teve um "espinho na carne", não sabemos ao certo se era uma enfermidade, fraqueza ou outra natureza de provação. Mas os leitores da Bíblia bem sabem que Deus não lhe removeu esta dificuldade (2Co 12.7-9)



 Alguns apontam Tiago 5.14-15 como garantia de que, com a oração, todos os enfermos seriam curado. Mas uma análise do texto, com frequentes menções a pecados, confissão e perdão apontam que a cura é prometida, provavelmente, apenas em enfermidades devidas a pecados cometidos pelos enfermos. A ênfase é dada em "salvar o doente", e sabemos que o termo "salvação", no Novo Testamento, está quase sempre ligado a coisas espirituais eternas. Quanto a enfermidades comuns (i.e. decorrentes da natureza, etc.), mesmo havendo a unção, a resposta de Deus pode ser "sim" ou "não", e devemos orar para que sua vontade soberana e inescrutável seja realizada (Mt 6.10; Lc 22.42). O reformador Martinho Lutero reconheceu em seu tratado "Do cativeiro babilônico da Igreja" que apenas uma minoria era curada, mesmo os devidamente ungidos em nome do Senhor. Além disso, devemos lembrar que os defensores do suposto direito não conseguem encontrar nenhum outro versículo no Novo Testamente que dê suporte à sua teoria.  Se fôssemos falar de História da Igreja, os argumentos contra a teologia da prosperidade seriam ainda mais numerosos. Grandes servos de Deus, ao longo da História, morreram vítimas de enfermidades. De Agostinho a Daniel Berg. De Francisco de Assis à Calvino. Os Pais da Igreja, os teólogos monásticos medievais, os reformadores, os puritanos, os avivalistas, todos eles consideravam que a enfermidade é uma possibilidade real na vida de um cristão verdadeiro, e que, muitas vezes, não é da vontade de Deus curá-la. Também devemos lembrar que vários dos processos corporais que levam à “morte natural” são os mesmos que levam às enfermidades (desgaste das células,etc.), de maneira que, se Cristo levou as enfermidades físicas na cruz de forma perfeita, e tal benção deve ser fruída de forma total ainda nessa vida, os crentes também deveriam também ser imortais!

O que o cristão deve fazer em caso de enfermidades? Sem dúvidas pode orar pedindo a cura, em nome de Jesus. Deus curou muitos enfermos ao longo da História da Igreja, como fazia nos Evangelhos, mas o cristão maduro deve ter diante de si a possibilidade de que o milagre não ocorra. Para sermos francos, deveríamos reconhecer que, geralmente, Deus usa mais as causas secundárias e elementos terrenos para curar enfermidades, do que intervenções sobrenaturais e miraculosas. Em todos os casos, a confiança deve ser posta na Providência divina, que age de forma onipotente (Is 43.13) e não pode ser manipulada por nós. Existirão muitos casos em nem os remédios e terapias, e nem a oração resultarão na cura das enfermidades. Então, cabe a nós abraçar essa cruz resignadamente (Jo 16.33; Lc 9.23-24), confiando os nossos sofrimentos à paternal bondade do Senhor, pedindo paciência e perseverança na enfermidade, mirando sempre à promessa da felicidade completa na vida eterna (Fp 3.14).

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